Blog › 01/02/2018

Os Fundadores de Cister

Ordem de Cister, ou Ordem Cisterciense (Ordo cisterciensis, O. Cist.), é uma ordem religiosa monástica católica beneditina reformada. Aos seus membros religiosos de clausura monástica dá-se o nome de monges (ou monjas) cistercienses, ou monges brancos, como ficaram conhecidos devido à cor do hábito. O dia 26 de janeiro marca a celebração da festa dos Santos Fundadores de Cister, os abades Roberto, Alberico e Estevão.

São Roberto de Molesmes

Oriundo da média nobreza feudal – a casa dos condes de Tonnere – Roberto nasceu em 1028 ou 1029, na região de Champagne, noroeste da França. Aos quinze anos, entrou para o mosteiro beneditino de Moutier-la-Celle, onde pouco tempo depois foi eleito prior. Em 1068, foi eleito abade de outro mosteiro, Saint-Michel-de Tonnere, aceitando, porém esta eleição sob uma condição: que a comunidade iniciasse um projeto de reforma em vista de uma observância monástica mais austera e exigente. Não sendo feliz nesta tentativa, renunciou seu cargo de abade e retornou ao mosteiro de sua primeira profissão. Pouco tempo depois, um grupo de eremitas fez um apelo ao Abade Roberto para tê-lo como seu superior. Tendo, mais de uma vez, frustrada sua intenção pela sua recusa de Roberto em aceitar essa missão, eles recorreram ao papa Gregório VII para que o pudessem ter como seu pai espiritual, pedido este que foi acolhido pelo pontífice. Nascia assim o Mosteiro de Molesmes, no ano de 1075.

Esta casa, sob a direção de Roberto, conheceu um rápido crescimento e tornou-se em pouco tempo famosa por sua boa observância e a cabeça de uma congregação monástica com várias casas dependentes. Contudo, as tensões internas afloraram, com a consequente divisão da comunidade em dois grupos irreconciliáveis. De um lado, havia os que se estavam conformados com o modo de vida de acordo com os padrões de observância vigente, com suas mitigações em relação às exigências da Regra de São Bento e a riqueza que a casa ia acumulando, com prejuízo da austeridade de vida. Do outro lado havia os que, como Roberto, desejavam um monaquismo reformado, tendo como referência os antigos padrões ascéticos dos primeiros monges cristãos que o movimento de renovação monástica surgido no século XI e paralelo à Reforma Gregoriana defendia. Dessas tensões nasceu Cister em 1098, fundado por Roberto e os monges que comungavam deste ideal de monaquismo reformado.

Contudo, esta fundação produziu um vertiginoso declínio em Molesmes, a ponto de seus monges recorrerem ao Papa para terem de volta seu abade. A questão foi resolvida com uma exigência papal para que Roberto retornasse a Molesmes, o que se deu em 1099. Roberto lá permaneceu até sua morte em 1111, deixando a fama de grande santidade.

Ao longo de todas as peripécias de sua vida (e aqui ficaram descritas apenas as principais), São Roberto sempre manifestou o desejo de uma vida monástica vivida na pureza e na radicalidade, numa busca incessante que consumiu toda sua existência. Isto pode ser provado, não apenas pela fama de santidade que deixou e de que gozou já em vida, mas, também, pelo fato de que sempre foi buscado por outros monges como alguém dotado de sabedoria e experiência espiritual, capaz, portanto de dirigir almas e levá-las no caminho da perfeição da caridade. O próprio fundador da cartuxa, São Bruno, desejoso de fundar um novo instituto, procurou Roberto em 1082, certamente movido por sua grande reputação nos meios monásticos e eclesiais. Em Roberto vemos um homem de cheio de uma santa inquietação, sempre movido pelos mais altos ideais de perfeição cristã. Esta santa inquietação é, para seus filhos cistercienses, o seu maior legado, escrito para sempre no carisma de Cister: a busca de um monaquismo sempre mais autêntico e com seus valores sempre mais intensamente vividos.

São Alberico

Para conhecer Santo Alberico o segundo de nossos padres fundadores, é preciso olhar sobretudo para a própria história de Cister, tal foi narrada nos documentos primitivos da Ordem. Sabemos que faleceu em 1108 e a data de seu nascimento pode ser deduzida, a partir das informações existentes, como tendo ocorrido entre 1140 e 1150. Ele teria sido um dos eremitas de Colan, ou seja, daquele grupo que desejava e acabou por obter o Abade Roberto como seu superior, grupo que deu origem ao Mosteiro de Molesmes. Foi uma figura importante nesta comunidade, onde exerceu o ofício de prior.

No clima de tensão vivido em Molesmes, antes da fundação de Cister, pertenceu ao grupo que desejava uma vida monástica austera e reformada e sofreu, por isso, cárcere e açoites. Acompanhou Roberto na aventura de Cister e, quando este retornou a Molesmes, foi escolhido como seu sucessor em 1099. Governou Cister como seu abade por cerca de dez anos, naquele que talvez tenha sido o período mais difícil do Novum Monasterium (Novo Mosteiro), como era chamado Cister nos primeiros tempos.

Santo Alberico morreu com fama de santidade, fama, aliás, merecida. Sua vida foi uma perseverante procura da pureza do ideal monástico, nos termos dos valores buscados pelos autênticos reformadores de seu tempo. Tal pureza incluía pobreza e simplicidade, solidão (sempre em equilíbrio com um forte sentido de vida comunitária), afastamento do mundo, elementos fundamentais para se atingir aquilo que se chamava, então, a quies monástica. Em suma, o que hoje diríamos ser uma vida verdadeiramente contemplativa.

Sofreu e suportou perseguição e constrangimento físico em razão de seus ideais. Mas talvez seu maior legado espiritual tenha sido sua serenidade e firmeza, dirigindo Cister num tempo em que a fundação não estava consolidada e sofria, inclusive, ameaça externa, o que o levou a buscar e obter a proteção papal para o mosteiro e sua observância reformada, defendendo a quies monástica que foi o ideal que perseguiu por toda vida, a custa de muito sacrifício.

Diante de todas as dificuldades iniciais, sobretudo a insegurança causada pela partida de Roberto e a incerteza quanto à entrada de vocações suficientes para dar continuidade à obra iniciada, seu sábio governo foi fundamental para que Cister sobrevivesse e pudesse depois expandir-se.

São Estevão Harding

O terceiro fundador e abade de Cister, o inglês Estevão Harding, viveu uma trajetória de vida muito intensa, desde seu nascimento na Inglaterra, por volta de 1059, portanto antes da invasão normanda chefiada pelo Duque Guilherme, até sua morte no dia 28 de março de 1134, já como abade emérito de Cister, muito avançado em anos e debilitado por uma cegueira, o que, aliás, foi a razão de sua renúncia ao cargo abacial um pouco antes daquela data.

Discorrer sobre sua vida é, também, falar sobre uma santa inquietação, como no caso de S. Roberto. Estevão foi monge beneditino em Sherborne, na sua terra Natal. Porque teria deixado seu mosteiro de profissão ainda jovem e se dirigido à França, onde aprofundou sua formação nas escolas famosas de seu tempo? Questões de ordem política e familiar, ligadas à nova situação criada com a invasão normanda, pertencendo ele à nobreza do povo vencido, os saxões? Os estudiosos inclinam-se para esta hipótese. O fato é que os traços de Estevão aparecem depois numa peregrinação a Roma em companhia de um santo monge, obrigando-se ambos a rezar um saltério inteiro por dia. Teria ela conhecido os novos mosteiros reformados na Itália? Teria depois vivido como eremita antes da peregrinação? O que é certo é que ingressou em Molesmes em 1085, já então uma abadia de fama reconhecida. Sabe-se também que pertenceu ao grupo daquela abadia que desejava a reforma e que acabou por deixá-la, com o abade Roberto à frente, para fundar Cister, do qual, por sua vez, tornou-se o terceiro abade, após o falecimento de Alberico em 1108.

Seu longo abaciado foi de uma fecundidade excepcional. A semente plantada pelos seus sucessores deu fruto abundante, pois Estevão, por assim dizer, multiplicou a herança recebida. O pequeno rebanho, deixado em paz na nova observância por Alberico, crescerá de forma prodigiosa, sobretudo com o ingresso de Bernardo e seu grupo de 30 companheiros. Estevão os acolheu e formou. Principalmente deste grupo veio uma grande expansão para a Ordem, uma vez que, a partir de 1119, com a aprovação de suas normas fundamentais, o mosteiro de Cister tornou-se a cabeça de uma nova família monástica reconhecida pela Igreja, com diversos mosteiros, inclusive aqueles fundados pelas casas diretamente surgidas de Cister.

Para conhecer o espírito de Santo Estevão, dois escritos são fundamentais e são como que seu testamento espiritual. O primeiro é o prólogo do chamado Exordium Parvum, o documento que narra o empenho da geração de pioneiros em fundar Cister com todo o vigor dos ideais do monaquismo reformado de sua época. O segundo, talvez mais significativo, é a Carta Caritatis (Carta da Caridade), que pode ser considerado o documento fundante da nova Ordem. Como o nome indica, este trata da caridade: caridade fraterna que se deve viver no interior de cada comunidade cisterciense, e também a que deve ser vivida no plano do relacionamento entre os mosteiros. É claro que, para Estevão, a austera observância e todas as normas que inculcavam pobreza, simplicidade e solidão, só tinham sentido em vista de seu propósito supremo: tornar as casas cistercienses escolas de caridade.

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