Amizades

Alceu Amoroso Lima“Merton deu-me sempre a impressão de ser também um “homo viator”. Morreu em pleno Oriente, sem concluir sua obra, sem que houvesse cessado a curiosidade de seu espírito. Creio que aí está uma das razões de sua influência sobre mim, o meu interesse pelo que ele escrevia, o encontro com as suas idéias e com a visão deste mundo angustiado, mas dentro do qual devemos continuar a viver, desempenhando nossa missão, nosso papel de testemunho”.

Memórias improvisadas: diálogos com Medeiros Lima, Alceu Amoroso Lima (Editora Vozes, 2000) Imagem gentilmente cedida pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade – CAALL

Boris PasternakAo longo dos seus escritos, Merton tenta definir e expressar um modo de ser / um estilo de vida em que se possa ser totalmente humano e “livre”. Embora ele se aprofunde nos vários aspectos da história e da reforma monástica, seu pensamento não é só dirigido a monges, mas a todos. Merton fala muito no “homem novo”.

Boris Pasternak era, para Merton, um homem que havia chegado à verdade e liberdade humana, tal como elas se exprimem no indivíduo, e se tornara um “homem novo”. De vários modos, Pasternak é uma imagem espelhada do monge Zen. Seus escritos são repletos de imagens cristãs, de beleza, amor, emoção, de coisas da vida. Merton chama as imagens de Pasternak de “primitivas, pré-cristãs, profundamente sinceras e pessoais.

Pasternak foi muito perseguido pelo governo comunista. Em 1958 foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Sob pressão do governo soviético, Pasternak recusou o prêmio. Ele também recusou uma oportunidade de “escapar” da União Soviética alegando crer que não seria feliz em nenhum outro lugar.

Merton diz que Pasternak não era um rebelde e sim um verdadeiro revolucionário, como Gandhi: “Pasternak é não apenas um homem que se recusa a se conformar (isto é, um rebelde). O fato é que ele não é um rebelde, porque o rebelde é aquele que quer substituir a autoridade alheia pela sua. Pasternak é alguém que NÃO PODE se conformar a um molde artificial e estereotipado porque, pela graça de Deus, ele tem tanta vida que é incapaz de tal traição a si e à própria vida… Embora tão diferente (de Gandhi), seu protesto é afinal o mesmo: o protesto da própria vida, da própria humanidade, do amor…” Isto me parece muito importante: como protestar. Como se opor, com a vida, ao materialismo crasso, à violência, falsidade e blasfêmia que se apresentam como o “mundo real”. Merton explorou e desenvolveu o tema do “protesto” nos anos 60, descobrindo as raízes vivas da não-violência em gente como Boris Pasternak, cuja visão de mundo era litúrgica e sacramental – a vida como mistério vivo – e cuja resposta ao mundo louco era genuinamente humana.

(texto traduzido por Maria Lúcia Americano a partir da página http://fatherlouie.blogspot.com.br/2007/01/boris-pasternak-sacramental-revolution.html)

BrahmachariThomas Merton conheceu o monge hindu Brahmachari ainda quando estudante na Universidade de Columbia, nos idos de 1937. Tornaram-se tão bons amigos ao ponto dele ter sido umas pessoas determinantes na consolidação de sua fé católica. Brahmachari não procurou converter Merton num hinduísta, ao contrário, o incentivou a ir mais fundo em sua própria tradição. Sugeriu leituras como “A Imitação de Cristo” e “Confissões”, de Santo Agostinho. Graças à influência de Brahmachari, um hindu, temos Merton como um católico que foi bem mais além, se tornando monge sacerdote.

“Depois disso gostei muito de Brahmachari e ele de mim. Dávamo-nos bem, andávamos juntos, principalmente depois que ele percebeu que eu buscava certo rumo de convicção religiosa acertada e procurava um gênero de vida que tivesse Deus como centro, conforme a dele.”  – A Montanha dos Sete Patamares, Thomas Merton (Mérito, 1959) pág. 216

Brahmachari observava a sociedade americana com os olhos de um estranho e, assim, involuntariamente, alterou o modo de enxergar do jovem estudante Merton. Este começou a questionar muito tudo aquilo que tinha como certezas. As observações de Brahmachari eram livres de qualquer sarcasmo ou ironia. Vestia uma túnica branca, um turbante amarelo bordado em vermelho com orações, e tênis azul, uma espécie de mensageiro de outro mundo. Sua sinceridade e calor eram como sinais de uma esfera mais elevada.

Brahmachari não era nem um pouco incomodado com a política. Para ele, a vida do espírito era a única escolha possível. Vivia o momento, o momento presente. Era uma pessoa maravilhosamente gentil. Não pode haver dúvida de que Brahmachari teve uma influência duradoura na vida e nas relações humanas de Thomas Merton.

Quando empreendeu viagem ao Oriente em 1968, Thomas Merton fez algumas tentativas para localizar Brahmachari, infelizmente sem sucesso. Brahmachari morreu em 1999 em Calcutá, com 95 anos de idade. – Cristóvão Júnior

Catherine de Hueck DohertyMerton conheceu Catherine de Hueck Doherty (a baronesa) em 1941, quando esta proferiu palestra na Universidade St. Bonaventure. Ele tinha ouvido falar sobre seu trabalho na Friendship House (Casa da Amizade), quando ainda vivia em Nova Iorque. Nesta mesma ocasião, depois de ouvir suas explanações, ele se inspirou para perguntar se poderia visitar sua Casa no Harlem. Catherine concordou e o acolheu. Thomas Merton passou “[duas] semanas de noites”, como ele colocou, na Casa da Amizade. Esteve novamente com Catherine meses depois, naquele mesmo ano. A seguinte passagem é de Montanha dos Sete Patamares, do capítulo “O Vulcão que dorme”, onde Merton reflete sobre o seu primeiro encontro com Catherine: “A baronesa nasceu na Rússia, era apenas uma jovem na época da Revolução de Outubro. Vira metade da família ser dizimada, vira sacerdotes cair sob as balas dos Vermelhos, e tivera que fugir da Rússia pelo modo que os filmes mostram, mas com todas as dificuldades e misérias que os filmes são incapazes de reproduzir por mais sensacionalismo que se empenhem em botar nas cenas. (…) as provações que experimentou ao invés de lhe destruirem a fé, a intensificaram e aprofundaram, visto como a Divina Hóstia fortaleceu sua alma como uma rocha inexpugnável. Jamais vi ninguem tão calmo, tão certo, tão sereno em sua absoluta confiança em Deus.

Catherine de Hueck é uma pessoa em muitos sentidos formidáveis: e a sua grandeza não é meramente física: advém do Divino Hóspede que mora constantemente dentro dela e a induz a fazer tudo quanto ela faz.” – Cristóvão Júnior

Dalai LamaAntes de sua viagem à Ásia, Merton não era muito interessado pelo Budismo Tibetano. Já com o Budismo do Nepal, ele o considerava “… feroz, ritualista, supersticioso, mágico. Não duvido de coisas profundas e mistérios, mas talvez ele precise desaparecer.” (The Other Side of the Mountain, 23 de julho de 1968, p.145).

Um encontro com o Dalai Lama foi arranjado por Harold Talbot, católico americano e estudante do Budismo, que foi batizado em Gethsemani. O primeiro encontro foi na manhã de 04 de novembro de 1968, na casa do Dalai Lama no exílio próximo a Dharamsala, Índia. À medida que a data do encontro se aproximava, Merton fazia muitas anotações em seu diário sobre o Budismo Tibetano, particularmente sobre mandalas e os tantras; ele ficou impressionado com os lamas tibetanos que encontrou. Ele percebeu o quanto importante era o Dalai Lama – com apenas 33 anos – para o povo tibetano: “O Dalai Lama é amado pelo seu povo – e eles são um povo bonito e amável. Eles cercam suas casas com amor e oração, eles tem uma nova soongkhor (cerca de arame farpado) para proteção ao longo da cerca. Provavelmente não há líder no mundo tão amado pelos seus seguidores e que signifique tanto para eles. Ele é tudo para eles. Por esse motivo seria especialmente terrível e cruel se algum mal conseguisse atacá-lo. Eu rezo por sua segurança e tenho medo por ele. Que Deus o proteja e o preserve.” (The Other Side of the Mountain, 03 de novembro de 1968, p. 245). Após o encontro deles em 04 de novembro, fica claro que Merton e Dalai Lama são almas gêmeas: “O Dalai Lama é uma pessoa impressionante. Ele é forte e alerta, maior do que eu esperava (por alguma razão eu achava que ele deveria ser pequeno). Uma pessoa firme, ativa, generosa, e acolhedora, muito competente para resolver enormes problemas – não que tenha os mencionado diretamente. Não havia uma palavra política. Toda conversa foi sobre religião e filosofia e especialmente as formas de meditação. Ele me disse que estava muito feliz por me ver, havia ouvido muito sobre mim. Eu falei na maior parte sobre meus interesses, sobre meu interesse no misticismo tibetano. Algumas coisas que ele me respondeu eram confidenciais e sinceras. … Uma das impressões que tive é que ele é muito sensível à visão parcial e distorcida do Ocidente sobre o misticismo tibetano e especialmente sobre os mitos populares. Ele se ofereceu para me dar outra audiência depois de amanhã e disse que ele tem algumas perguntas que gostaria de fazer-me.” (The Other Side of the Mountain, p.251) Em carta ao seu abade, Dom Flavian Burns, Merton escreveu: “Ele disse muitas coisas em “off”, muito animadas e sinceras, uma pessoa muito impressionante, profundamente preocupado com a vida contemplativa, e também aprendi muito. Eu dificilmente conheço alguém com quem me conectasse tão bem, eu sinto que seremos bons amigos.”

Do seu 2º encontro com Dalai Lama em 06 de novembro, Merton escreveu: “… Tivemos uma conversa muito agradável e eu acho que todos nós gostamos dele. Ele certamente parecia gostar. Eu gostei da solidez das ideias do Dalai Lama. Ele é um pensador muito coeso e vai passo a passo. Suas ideias de vida interior são construídas em sólidas fundamentações e vivência real dos problemas práticos. Ele insiste no desapego de uma “vida mundana”, mas a vê como uma forma de completar o entendimento e a participação nos problemas da vida e do mundo. Mas renúncia e desapego vêm primeiro. Evidentemente ele desconhece a vida monástica como um todo e gostaria de ter mais tempo para meditar e estudar mais sobre ela…” (The Other Side of the Mountain, p. 258-259). Dois dias depois, 08 de novembro de 1968, Merton encontrou com Dalai Lama pela 3ª e última vez: “Meu terceiro encontro com o Dalai Lama foi, em alguns aspectos, o melhor de todos. Ele perguntou muito sobre a vida monástica do Ocidente, particularmente sobre os votos, a regra do silêncio, a forma ascética, etc.”

“Foi uma discussão muito calorosa e cordial e ao final eu senti que nós começamos a ser bons amigos e de alguma forma estávamos muito próximos um do outro. Eu sinto um grande respeito e carinho por ele como pessoa e acredito, também, que existe uma ligação espiritual real entre nós. Ele comentou que eu era um “Gesh Católico”, que Harold disse ser o maior elogio possível vindo de um Gelugpa, como um doutorado honorário! ” (The Other Side of the Mountain, p. 266).

Fonte: http://fatherlouie.blogspot.com.br/2008/03/dalai-lama-connection.html | texto gentilmente traduzido por Leandro Mello.

Daniel Berrigan“O Padre Dan Berrigan esteve aqui. É uma inteligência inteiramente cativante e cordial. Um homem que, penso eu, possui mais do que qualquer outro que jamais conheci, o coração largo e simples do jesuíta: zelo, compaixão, compreensão e liberdade religiosa desinibida. Só em vê-lo sentimos renascer nossa esperança na Igreja.

As verdadeiras dimensões de uma caridade viva se destacam com nitidez em suas palestras com os noviços. Essas palestras exorcizaram meu cansaço, minhas suspeitas, meus pensamentos pessimistas. A comunidade mostrou-se encantada com ele. Todavia, sei muito bem não ser ele aceito em todos os meios.”

Reflexões de um espectador culpado, Thomas Merton (Vozes, 1970), p. 293

Dorothy Day“Em consciência, sinto que não posso, em um momento como este, continuar escrevendo só sobre questões como a meditação. Acho que devo me confrontar com as grandes questões, as questões de vida-e-morte”. “O Catholic Worker é parte da minha vida, Dorothy. Tenho certeza que o mundo está cheio de pessoas que poderiam dizer o mesmo. Se não existisse o Catholic Worker, eu nunca teria entrado na Igreja Católica”. A quem pertencem essas palavras? E quem era essa Dorothy?

Quem escreveu assim foi Thomas Merton (1915-1968), o grande monge trapista norte-americano, convertido ao catolicismo a partir de posições ateístas e marxistas muito famoso pela sua autobiografia A montanha dos sete patamares.

E ela era Dorothy Day (1897-1980), fundadora do movimento social Catholic Worker, desde sempre comprometida com os direitos dos “últimos” nas metrópoles dos EUA em nome do Evangelho. Uma fiel também marcada pelo drama de um aborto antes da sua própria conversão, hoje no caminho da santidade: a arquidiocese de Nova York, anos atrás, abriu o seu processo de beatificação.

Dois gigantes do catolicismo yankee, portanto, dos quais, hoje, podemos apreciar o entendimento muito firme, cultural e espiritual, através de suas correspondências. São inúmeras cartas que Day enviou a Merton, agora disponíveis no recente All the Way to Heaven, livro que reúne as “cartas selecionadas de Dorothy Day”, recém-lançado nos EUA por Robert Ellsberg (Marquette University Press, 454 páginas).

Na troca de cartas – as de Merton podem ser deduzidas no belíssimo A Life in Letters (Ed. Harper One, lançado nos EUA em 2008) –, os registros dos dois interlocutores são variados: Day aponta muito sobre a autobiografia, Merton “voa alto”.

“No dia 25 de julho, vou para Montreal para fazer um retiro com os interessados na família espiritual de Charles de Foucauld”, escreve a ativista de Nova York em junho de 1959. “Estou tentando entrar tanto no movimento leigo quanto na sua associação. Mas não tenho certeza que eles me querem”. Para, depois, comunicar, no dia 22 de janeiro de 1960: “Já lhe disse que sou uma postulante na Fraternidade da Caridade de Jesus na família de Charles de Foucauld? Reze por mim”. Algumas confidências nos colocam a par do compromisso social de alto risco de Day: “Já recebemos duas ameaças de bomba, e fui ameaçada em público em um encontro na ONU” (novembro de 1965).

Entre os dois interlocutores, não faltam as trocas literárias: “O seu belíssimo ensaio sobre Pasternak me manteve acordada até as quatro da manhã”, escreve Day ao monge. E Merton responde (29 de dezembro de 1965): “O seu Catholic Worker, para mim, tem um significado muito importante: eu o associo aos dominicanos ingleses, a Eric Gill e a Maritain”.

A expoente do Catholic Worker não poupa elogios ao escritor trapista: “Não me lembro se lhe agradeci pelo seu esplêndido artigo sobre Camus [e a Igreja] que teve grande repercussão”. Day, em 1960, compara Merton a um grande santo do século XIX: “Os seus escritos chegaram a muitas, muitas pessoas e lhes direcionaram no seu caminho. Esteja certo disso. Essa é a obra que Deus quer de você, não importa como você queira ficar longe dela. Assim como o Cura d`Ars”.

É muito sólido o laço entre os dois, um no retiro monástico da sua Abadia de Gethsemani, no Kentucky, a outra no turbilhão de marchas e de protestos na frenética Nova York do pós-guerra. Por exemplo, sobre a questão da guerra: “Não há nenhuma voz católica que seja ouvida no país, exceto Dorothy Day, do Catholic Worker. Mas quem a ouve?”, pergunta Merton a um amigo, em 1962. Para depois ressaltar, escrevendo à amiga (em 1961, plena Guerra Fria): “Por que esse vergonhoso silêncio e apatia por parte dos católicos, do clero, da hierarquia, dos leigos, sobre essa terrível questão da guerra nuclear, da qual depende a real continuação da raça humana?”.

Deve ser ressaltado, sobre a questão da bomba, o “minimalismo” de Day, que cita um místico medieval, “Sobre a estratégia da guerra nuclear: Juliana de Norwich dizia que o pior já aconteceu e foi reparado. Nada de mal jamais pode nos acontecer”. Em 1963, Day realiza, depois, uma peregrinação “pacifista” a Roma, por ocasião do Concílio, jejuando – com um grupo de ativistas – para que os padres do Vaticano II mantenham uma posição antimilitarista. Nessa ocasião, irá se encontrar com o cardeal Tisserant, ex-prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais e eminente representante da Cúria. Mas também o pensador gandhiano Lanza del Vasto e o frei Roger de Taizé. Ela escreverá ao seu amigo Merton no dia 15 de novembro de 1965: “O Catholic Worker suportou o peso da guerra por 33 anos – protestando contra vários conflitos, o sino-japonês, a guerra na Etiópia, na Espanha, a Segunda Guerra Mundial, Coreia, Argélia, e agora esta: as bombas acidentais sobre vilarejos amigos [no Vietnã], o napalm sobre as nossas próprias tropas. É inevitável que os protestos aumentem”.

Lorenzo Fazzini, in Avvenire, 17-06-2011. Tradução: Moisés Sbardelotto. (http://www.ihu.unisinos.br/noticias/44493-dorothy-day-e-thomas-merton-cartas-sobre-a-bomba)

D.T. SuzukiDaisetsu Teitaro Suzuki (1870-1966) foi um dos mais importantes acadêmicos japoneses que se dedicou ao estudo do Budismo. Foi um dos poucos a articular, no início do século XX, o pensamento oriental com o pensamento ocidental. Em junho de 1964, Thomas Merton encontrou-se com D. T. Suzuki em Nova York.

Os trechos que seguem foram retirados do livro Zen e as Aves de Rapina, de Thomas Merton: “Tive a chance de encontrar-me com o Dr. Suzuki e de poder conversar em espaço de tempo demasiadamente curto por duas vezes. Essa experiência foi não somente proveitosa, mas, diria eu, inesquecível. Foi, na minha vida, um acontecimento bem extraordinário, uma vez que, devido às circunstâncias em que vivo, não me encontro com todos aqueles com quem me encontraria de maneira profissional se estivesse, vamos dizer, ensinando numa universidade. Já conhecia, havia muito tempo, o trabalho do Mestre, e com ele me correspondia. Tivéramos até um curto diálogo, que foi publicado, em que discutíamos a “Sabedoria do Esvaziamento” como a encontramos comparativamente no Zen e no cristianismo, nos padres do deserto do Egito. Por ocasião de sua última visita aos Estados Unidos, tive o grande privilégio de encontrá-lo. Era preciso avistar-se com este homem para poder apreciá-lo devidamente. Parecia-me que ele encarnava todas as qualidades indefiníveis do “Homem Superior” das antigas tradições asiáticas: taoísta, confucionista, budista. Ou melhor, ao encontrá-lo, tinha-se a impressão de uma entrevista com aquele “Verdadeiro Homem Sem Título”, de que falam Chuang Tzu e os Mestres do Zen. E, está claro, é este o homem que se quer realmente encontrar. Quem mais haveria? Ao reunir-me com o Dr. Suzuki, bebendo com ele uma xícara de chá, senti haver encontrado esse homem único. Foi como se chegássemos, enfim, à nossa própria casa. Uma experiência muito feliz, para dizer o mínimo. Não há muita coisa a registrar a respeito. Pois discorrer longamente sobre isso atrairia a atenção para os pormenores que, afinal, são irrelevantes. Quando se está de fato com a pessoa, os múltiplos pormenores encaixam-se naturalmente na unidade que é vista sem ser expressa. Quando se fala nisso em segunda mão, veem-se apenas os múltiplos pormenores. Assim, o Verdadeiro Homem, já desapareceu; foi tratar de seus negócios alhures.” (pág. 83 e 84) (…)

“Vi o Dr. Suzuki apenas em duas rápidas visitas e não senti que devesse perder tempo explorando explicações abstratas, doutrinais, a respeito de sua tradição. Mas senti, sim, que falava a alguém que, numa tradição completamente diferente da minha, havia amadurecido, tinha-se tornado completo e encontrado o seu caminho. Não podemos compreender o budismo enquanto não o encontramos dessa maneira existencial, numa pessoa que o vive. Não há mais, então, o problema de compreender doutrinas que não podem deixar de ser um pouco exóticas ao ocidental; há apenas a questão de apreciar um valor que é por si mesmo evidente. Estou certo de que nenhum ocidental consciente e inteligente jamais se encontrou com o Dr. Suzuki sem reter algo da mesma experiência.” (pág. 85).

Cristóvão Júnior

Jacques MaritainJacques Maritain foi um grande intelectual, humanista e uma peça chave para a Igreja Católica no século XX. Juntamente com outro estudioso francês, Etienne Gilson, reinterpretou o pensamento de São Tomás de Aquino. Como autor, o conjunto de sua obra foi bastante amplo, escrevendo mais 60 livros. Atuou na teoria do conhecimento, filosofia religiosa, e estudos sobre os direitos humanos. Trabalhou em coautoria com sua esposa, Raissa Maritain, sobre a oração contemplativa e as dimensões interiores na vida do cristão.

Thomas Merton e Jacques Maritain se encontraram apenas duas vezes: em 1939 quando Merton era ainda um neo converso, e novamente no outono de 1966, quando o monge Thomas Merton convidou Maritain para passar alguns dias em Gethsemani. O relacionamento entre os dois se tornou mais próximo após a morte de Raissa.

Na visita que Maritain fez ao mosteiro, em 7 de outubro de 1966, juntamente com John Howard Griffin (fotografo e grande amigo de Merton) e uma jovem francesa chamada Elizabeth Fourest, temos um terno relato desta última, a descrever a visita ao eremitério. “Ele esperava por nós no portão da Abadia. Era um outono com cores maravilhosas, as cores do outono nas árvores e toda natureza. Era algo extraordinário. E foi a mais brilhante, a mais alegre, a mais divertida visita que tivemos durante este mês nos EUA. Thomas Merton nos convidou a entrar n0 eremitério. Era uma casa pequena, não no convento, mas no campo. Nós queríamos um carro para atravessar os campos, sem estradas, apenas uma pequena trilha. Esta casa com dois pequenos cômodos, uma lareira, uma mesa de trabalho, fotos de Merton nas paredes, livros, muitos livros, e vista do campo sossegado, de paz e silêncio, e algumas vezes cervos passavam pelas janelas. Então Thomas Merton nos recebeu lá, e Jacques estava sentando em uma velha poltrona próxima à lareira, e John Griffin com sua eterna câmera fotografando a todos, e Thomas Merton falando sobre tudo, sobre o Vietnam, sobre a mentalidade norte-americana, sobre Deus, sobre eternidade, sobre a Santíssima Trindade, sobre drogas, sobre tudo. Vida. Vida em sua totalidade. E isto foi brilhante. E de repente Jacques estava mais jovem diante deste Thomas Merton, que era realmente uma força natural. Thomas Merton leu para nós alguns poemas de Bob Dylan, e depois podíamos ouvir as músicas. E foi realmente extraordinário, (…) pois nesta casa minúscula o mundo inteiro estava concentrado.”

Robert Lax“Foi naquele ano também que comecei a descobrir quem Bob Lax era e que nele coexistia em combinação equilibrada a clareza de Mark [Van Doren] e a minha confusa miséria, além do que lhe era próprio. Ou, para especificar Robert Lax de outra maneira: era uma espécie de Hamlet e de Elias. Um profeta em potencial, mas sem furor, Um rei, mas um judeu, também. Um espírito cheio de tremendas e sutis intuições, mas cada dia dando menos a falar sobre elas e se resignando ao mutismo. Em suas hesitações, conquanto sem embaraço nem nervosismo absolutamente, muitas vezes enrodilhava as enormes pernas em torno duma cadeira, em sete modos diversos, enquanto procurava uma palavra para começar a falar . Conversava melhor sentando no chão.

Acho que o segredo de sua constante solidez era sempre uma espécie de espiritualidade natural e instintiva, uma espécie de direção inata rumo ao Deus vivo.”

A Montanha dos Sete Patamares, Thomas Merton (Mérito, 1959), pág. 200