Blog › 26/04/2018

Uma Peregrinação Em Bancoc

A peregrinação a Bancoc não foi planejada. Eu tinha acabado de voltar de várias semanas no Nepal e a vida – e a morte – de Thomas Merton estavam muito presentes em minha mente. Estava tomado por uma sensação de encantamento espiritual no lugar de nascimento de Buda, na terra dos Hindus e no Himalaia, assim como Merton em sua viagem à Ásia.

Um sentimento parecido com a inspiração de Merton pairava no ar rarefeito que respirei ao fazer trilhas e mais trilhas no Nepal, absorvendo a atmosfera de uma antiga civilização religiosa e pousando o olhar nos pontos mais altos do planeta.

De volta a Bancoc, fui a um local turístico, uma fazenda de criação de cobras da Cruz Vermelha da Tailândia. O pensamento de que Thomas Merton morrera durante uma conferência da Cruz Vermelha na Tailândia passou pela minha cabeça e, embora ele, com certeza, não tenha falado a monges asiáticos em uma fazenda de cobras, comecei a me perguntar onde poderiam ter sido a conferência e a morte de Merton.

Uma conversa formal no balcão de informações da Cruz Vermelha não conseguiu me informar sobre o local da conferência. Mas o pensamento de explorar esta ideia não se dissipou e, quando minha namorada telefonou de Jacarta, pedi que desse uma olhada em meu Merton Seasonal, pois eu me lembrava de um artigo recente escrito por um participante da conferência monástica que mencionava o nome do lugar do evento de 1968. Ela concordou em procurar.

Recebi um telefonema na manhã seguinte. “Encontrei o artigo” disse ela tranquilamente; fiquei eufórico. “O nome do lugar é Sawangkani Wat”. Ah, na mosca!

Naquele dia, perguntei onde ficava o nome que copiara. ‘‘Bem longe daqui”, disse a pessoa da recepção do meu hotel. “Não em Bancoc”, explicou ela, embora não soubesse me dizer para que lado poderia ser. Foi uma decepção, pois eu não tinha planejado me aventurar fora da cidade. Mas decidi perguntar de novo ao comprar a passagem de avião de volta a Cingapura.

“Muito longe mesmo”, confirmou a moça que me vendeu a passagem. Estive na Ásia o tempo suficiente para saber que devia sondar mais. “A que distância?”, perguntei. “Talvez trinta quilômetros”, disse ela. Só trinta quilômetros, pensei! Não é nada longe.

Pedi que me mostrasse em um mapa como eu podia chegar a Sawangkani Wat; ela desapareceu e voltou com um mapa dos arredores. “Nesta área”, disse, entregando-me o mapa. Agradeci profusamente e saí.

Então me encontrei com um amigo que tinha conhecido no Nepal e conversamos sobre os pontos turísticos a visitar, mas com pouco entusiasmo. De repente me ocorreu: Vamos pegar um táxi e encontrar o lugar onde Thomas Merton morreu. “O que você acha? Pago o táxi”, eu disse, subitamente cheio de energia.

Meu amigo, por total coincidência, era de Kentucky, e sua esposa tinha nascido em Bardstown. Eu falara de Merton diversas vezes no Nepal, e embora conhecesse o nome e tivesse ido à Missa do galo em Gethsemani no último Natal, ele não estava a par do trabalho de Merton. Porém, levemente desanimado e com vontade de conversar, concordou em me acompanhar em minha missão.

Imediatamente parei um táxi e, depois de estudar o mapa, o motorista pediu um preço altíssimo pela corrida. Mas a esta altura nada ia me deter, pulamos no táxi e ziguezagueamos pelo tráfego de Bancoc em direção à periferia da cidade tentacular.

Quase uma hora depois, chegamos a uma área monótona e impessoal nos arredores de Bancoc, e o motorista desacelerou. Saiu da estrada, parecíamos estar em uma área industrial com grandes instalações modernas de armazenamento. Dei ao motorista o nome do centro da Cruz Vermelha, ele parou e pediu indicações a uma série de pessoas. Ninguém fazia a mínima ideia.

Comecei a duvidar se encontraria naquele lugar um edifício que existia 27 anos atrás. Eu não conseguia decifrar uma palavra da escrita tailandesa, mas cada cruz médica que vislumbrava aumentava um pouquinho a minha esperança. O taxista perguntou a um motoqueiro de entregas, que apontou como se reconhecesse o nome do prédio da Cruz Vermelha. O motorista voltou para o volante, deu meia volta com o carro e dirigiu oito quilômetros sem dizer palavra. Meu humor melhorou.

Logo saiu da estrada e avançou lentamente pela via paralela. De repente reconheci o logo da Cruz Vermelha e vi as palavras em inglês em uma estrutura branca com aspecto mais antigo.

“É ali”, gritei empolgado. Sem dúvida, era o prédio da Cruz Vermelha. O motorista estacionou e lhe pedimos que esperasse, talvez por uma hora. Ele concordou, cobrando mais 200 bahts.
Eu não sabia bem o que fazer nem aonde ir. Então vi uma jovem com uniforme de enfermeira, falei com ela tentando explicar minha missão.

“Com licença. Estou procurando informações sobre um homem que morreu aqui vinte anos atrás. Thomas Merton.” Vinte parecia menos obscuro do que os sete anos adicionais.

Ela não falava quase nada de inglês, e pareceu muito surpresa. Entendi seu assombro, mas perguntei de novo, lentamente. Ela me sinalizou que esperasse e falou com o homem atrás de um balcão de atendimento. Ele se aproximou e ela foi embora. Repeti a pergunta. O inglês dele era só um tiquinho melhor, mas me pediu esclarecimentos.

“Thomas Merton. Ele morreu aqui faz vinte anos. Muito tempo atrás. Informações?” Seu rosto expressou desconcerto.
Deu um rápido telefonema, depois me pediu que o acompanhasse até um escritório situado atrás do primeiro edifício. Entramos em uma sala grande com mesas e houve diversas conversas em tailandês. Cruzei os dedos, torcendo para dar certo.

Logo veio uma mulher alta e mais velha que apertou nossas mãos e disse “olá”. Apresentou-se como Srta. Anan Thongchareon, e expliquei mais uma vez, lenta e pacientemente, o propósito de nossa visita.

“Ah, sim,” disse ela, balançando a cabeça em pequeno sinal de reconhecimento. “Thomas.”

Então fez sinal de que fôssemos até sua mesa, de cuja gaveta tirou um álbum de fotos. Abriu o livro e apontou para uma foto que era sem dúvida de Thomas Merton, talvez um pouco mais cansado e magro do que eu imaginava.

Fui para o lado dela e examinei as fotos de perto. Estavam datadas de “janeiro de 1969” e eram instantâneos dos participantes da conferência de 1968. Em seu inglês limitado, a Srta. Anan explicou que trabalhava ali havia trinta anos e se lembrava bem da ocasião da conferência monástica de 27 anos atrás. Depois de conversar sobre o evento, decidi que devia continuar minha busca.

“Seria possível visitar o lugar da morte de Thomas Merton? Podemos ver o chalé onde ele faleceu?” Perguntei, hesitante. Senti-me estranho ao pedir algo assim, e naquele momento comecei a me perguntar qual era, ao certo, minha missão.
“Não é possível. Tem gente morando lá agora”, disse a Srta. Anan.

Nada iria me dissuadir. Perguntei: “Então será que poderíamos só olhar, sem entrar?” Pensou por um momento, e depois nos fez sinal de que esperássemos. Então um rapaz que ela apresentou como seu filho veio conosco até um carro estacionado ali fora. Percorremos uns oitocentos metros até outra série de edifícios brancos antigos.

“Conferência aqui”, disse a Srta. Anan, apontando para uma estrutura grande, envelhecida, porém com aspecto vagamente familiar. O prédio estava em mau estado, rodeado de mato, e parecia não ter sido usado desde 1968. Então o carro parou perto de um chalé modesto, uma casinha à beira de um canal. A Srta. Anan indicou que Merton morrera ali e repetiu que a casa agora estava ocupada.

“Bangalô” onde Merton foi encontrado morto, na tarde do dia 10/12/1968, em Bancoc. Imagem extraída do filme The many Storeys and Last Days of Thomas Merton (Morgan C. Atkinson, 2015)

Saí do carro e caminhei lentamente ao sol, protegendo os olhos. Olhei cheio de respeito, encantado. “É aqui”, pensei. Aqui terminou a jornada de Merton neste planeta; aparentemente, um acontecimento acidental.

Questionei minha motivação, minha razão para ir àquele local de morte. Mas então pensei em todos os lugares que visitamos como viajantes, prestando homenagem aos locais de tragédias e infortúnios nas vidas de pessoas importantes que vieram antes de nós. Aquele lugar continha para mim um certo poder e significado devido à minha relação estreita com as palavras e ações de Merton.

Olhei para o chalé simples de madeira e pensei: que lugar tão humilde para um grande homem! A morte de fato não tem vaidade alguma. Notei a fiação elétrica entrando pelo telhado da casa e tive uma sensação estranha. Cable to the Ace [1], pensei ironicamente.

 

Então espiei pela janela e me perguntei se deveria pressionar para entrar; usar assertividade para conseguir ir lá dentro. Vi um corpo deitado em uma cama, presumivelmente dormindo, e pensei em bater à porta, mas parei. O que quero eu, ver a marca carbonizada no chão? Pôr os dedos na tomada à qual estava ligado o ventilador?

Não mesmo. É demais. Não é necessário incomodar os moradores, concluí. Já atingi meu objetivo. Basta estar presente e meditar no fato de que as viagens de Merton o trouxeram a este lugar tão obscuro, e que o destino e a vontade de Deus encerraram sua vida aqui. E que o destino também me trouxera à Ásia, a Bancoc, e agora a este lugar isolado em uma peregrinação, para prestar homenagem ao homem, ao “agricultor do município de Nelson” cujos livros me guiavam havia três décadas.

Contemplei o fato de que, apesar do aumento do interesse pela sabedoria e pelos escritos de Merton, aquele lugar continuava ignorado e anônimo. O local deveria ser marcado, ou comemorado de algum modo, pensei. Talvez uma simples placa assinalando o falecimento de um grande escritor ali.

Então fiz uma oração pessoal, dei uma última olhada, tirei várias fotos e voltei para o carro que me esperava. Meu amigo e eu retornamos em silêncio. No escritório, agradeci à Srta. Anan pela acolhida e por toda a sua dedicação à enfermaria.

Naquela noite, escrevi no meu diário uma página sobre a aventura do dia. Ao terminar, lembrei-me da data do registro. Era 1º de novembro. Dia de Todos os Santos. Mesmo sendo uma coincidência, eu estava certo de que minha visita ao local da morte de Merton não fora um acaso.

 

[1] MERTON, Thomas, Cables to the Ace or Familiar Liturgies of Misunderstanding, ed.New Directions, Nova York. (N. da T.)

Tim McHargue é Doutor em Psicologia Educacional, terapeuta e escritor; vive nos Estados Unidos. Trabalhou na Jakarta International School, na Indonésia, na ilha de Java. A partir dali, teve a oportunidade de visitar Bancoc, tema deste artigo

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