Blog › 10/12/2017

Uma carta sobre a morte de Thomas Merton

 

Sepultamos Padre Louis [Thomas Merton] ontem atrás da igreja do mosteiro em uma encosta sob um cedro, de onde se tem uma vista ampla das montanhas cobertas de bosques que ele amava. Estranho, pois só ao escrever isto percebi que ele tinha mesmo de ser sepultado lá, onde não há muros obstruindo a vista. A parte do cemitério cercada pelo muro logo atrás da igreja está cheia há alguns anos. Padre Louis está em um lugar aberto de onde se pode ver a beleza do campo ao redor. Combina.

 

O funeral foi às 15h30 e começou pontualmente. Já estava quase escuro quando chegou o momento de o colocarmos na terra, e caíam umas poucas gotas de chuva. Estava úmido e o frio era em torno de 1º abaixo de zero, diria eu.

 

O rito foi alegre – nenhuma outra palavra serviria. Havia cerca de quarenta concelebrantes e o arcebispo estava presente, mas não quis ser um deles. Disse que era algo nosso. Na nave, um bom número de pessoas, convidadas, representantes dos mundos em que Padre Louis atuava: escritores, poetas, artistas, pacifistas, freiras, padres, editores, pessoas comuns.

 

Ele faleceu longe, em meio à preocupação com a vida monástica no Oriente. Sua morte foi confusa; quero dizer, não temos total certeza do que ele morreu: enfarto, acidente com o ventilador elétrico? Mas nos basta o veredicto de que a morte foi acidental. Na confusão inicial, falou-se em fazer uma autópsia. Imagine tentar providenciar algo assim pelo telefone com Bangkok. Isto atrasou seu retorno. Houve demoras frustrantes, e ele chegou aqui bem na hora de seu funeral. O caixão não foi aberto, de forma que tive mesmo razão quando, ao vê-lo partir, pensei: “Nunca mais o veremos.”

 

Padre John Eudes, nosso próprio médico, olhou-o em Louisville. Que eu saiba, Padre Louis é o único sepultado em um caixão em nosso cemitério, o que combina bem com ele! O caixão era um desses monstros típicos que você tem a impressão de terem saído dos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer. As leituras do Livro de Jonas na Missa foram apropriadas. Diante de nós estava a baleia com Padre Louis dentro.

 

Padre Dan Walsh, seu primeiro laço com Gethsemani, fez uma boa homilia, sóbria e digna. Tudo correu bem e foi rico em coisas significativas para nós. Enquanto os padres tiravam os paramentos para o enterro, ouviu-se um interlúdio de Mozart que assentou bem no coração.

 

Não sei como resumir aquele homem; essa idéia nem vem ao caso. Salvo para dizer que ele era uma contradição. Viveu no centro da cruz, onde os dois braços se encontram. Talvez , poderíamos dizer, no coração da vida. Imagino que em nenhum outro lugar a contradição é reconciliada.

 

Ele era um problema para muitos aqui e em outros lugares. Sei qual é a razão do problema: quero dizer, as tensões aterrorizantes que aquele homem suportou com um tipo de coragem que só o poder de Deus possibilitava. Quando eu estava ao lado dele, sempre sentia que Deus estava perto. E estar perto de Deus é estar perto de algo ao mesmo tempo maravilhoso e terrível. Como o fogo. Queima. As pessoas ficavam sempre tentando sair do lugar que ele criava (simplesmente sendo o que era) para elas encaixando-o em uma ou outra categoria e fazendo com que ele ficasse ali. Dava tão certo como engarrafar neblina! Decidiam que ele era “monge” e o que o monge deveria fazer. Então esperavam que ele o fizesse. Mas ele não fazia. Não podia.

 

Quando se tornou eremita, decidiam o que é eremita e então viam se ele estava sendo um bom eremita. E ele não estava! A única maneira como eu conseguia viver com ele era amando-o como um todo, como ele era, com todas as suas contradições, e acho que esta é a única maneira de entendê-lo. Esta era a maneira como ele me amava.

 

Nunca conheci homem mais alegre, mas com tristezas profundas de que era melhor nem falar. Amava a vida monástica, mas a vivia conforme um estilo todo próprio. Tinha um real amor pela vida solitária, mas ninguém aqui tem o amor que ele tinha pelas pessoas, pelo mundo que Deus fez.

 

Estava acima de tudo que era trivial e miúdo, mas se mantinha a par de tudo e sabia tudo o que estava acontecendo. Podia ser duro como qualquer pessoa, mas era suave e terno como uma criança com um passarinho. Podia ser loquaz e leve, mas também congelar você com sua intensidade e ardor. Seu andar era lépido como o de um homem de vinte anos, mas não conheço muitos que tenham seu senso de compaixão. Amava o mosteiro, mas era crítico de suas fraquezas e tolices. Discutia e argumentava com seu abade assim como um advogado astuto defende uma causa perdida, mas era obediente até o cerne de seu ser. Sua obediência foi testada várias e diversas vezes, e encontrada pura.

 

Não consigo continuar. Não se recebe com freqüência esse tipo de pessoa das mãos de Deus. Ele é uma testemunha viva de Deus, de Gethsemani, da vida monástica, da Igreja, do mundo. Louvado seja Deus em seus santos agora e para sempre. Amém.

 

 

Pe. Mathew Kelty, OCSO, Monge de Gethsemani, noviço de Thomas Merton e seu confessor nos últimos anos de sua vida.

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