Tradutora, Amiga e Irmã
Recordamos neste 02 de outubro o aniversário da páscoa definitiva da Ir. Maria Emmanuel de Souza e Silva, OSB (1912-2012), monja do Mosteiro da Virgem, em Petrópolis/RJ, por quase 60 anos.
+
Ir. Maria Emmanuel
de Souza e Silva, OSB
Tradutora, Amiga e Irmã
O livro do Eclesiástico nos fala. “Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro. Nada é comparável a um amigo fiel, o ouro e a prata não merecem serem postos em paralelo com a sinceridade de sua fé”. (Eclo.6,14-17); e a história nos revela tantos autores mestre na arte do amor-amizade. E como esquecer de Sto Alredo de Rievaulx, e Sto Agostinho, que tão sabiamente afirmou que “a plena amizade se dá quando podemos confiar ao outro as nossas ideias”1. Embora em épocas e lugares diferentes, cada amizade tem sua própria história, visto que se formaram em contextos diferentes; entretanto, encontramos nela algo de semelhante: a experiência no amor de Jesus Cristo, nosso maior amigo.
Pensando em nossa Ir. Maria Emmanuel me veio à mente vários títulos, mas nenhum melhor que além de tradutora e irmã, o de Amiga. Mas não apenas amiga de uma única pessoa. E foi pensando assim, que resolvi coletar alguns testemunhos de grandes amizades ao longo da vida de nossa querida irmã, para que possamos compreender a sua missão, que tão bem soube realizar.
1- Irmã Maria Emmanuel: Um dom de Deus
Irmã Maria Emmanuel (Elsie) de Souza e Silva, nasceu em 4 de abril de 1912, no Rio de Janeiro, sendo seus pais o Almirante Augusto Carlos de Souza e Silva e D. Brasilita de Souza Ribeiro. Teve duas irmãs e dois irmãos. Educada no colégio das Irmãs da Assunção, em Paris, e em Londres, em Kensington, estando aí como aluna, conforme seu pai era adido naval na embaixada do Brasil nesses países, para onde levava sua família. Assim, falava corretamente o francês e o inglês, o que fez dela não só “relações públicas” (como dizia) no mosteiro, como também fecunda tradutora nessas línguas que dominava; “falando e escrevendo em várias línguas, sobretudo a da Caridade”. 2
A jovem e bela Elsie foi cortejada e chegou a ter bons partidos, mas sua preferência eram os pobres que começou a visitar como assistente social. Frequentava o Instituto Católico de Ensino Superior3, fundado por Alceu Amoroso Lima, no qual germinaram muitas vocações para a vida monástica.4 Rapazes e moças que conheciam as delícias das praias cariocas e disputavam com entusiasmo torneios de tênis começaram a deixar tudo para vestir o hábito religioso. Elsie faz parte do movimento.
“Elsie de Sousa e Silva , hoje nos envia o seu sorriso angélico por traz das grades do Priorado da Virgem, em Petrópolis. Primeira a despertada, para a vida monástica.” 5
Moradora do Leme, (Rio de Janeiro) conheceu e sofreu feliz influência do Convento dos dominicanos onde conheceu o dominicano francês, Frei Alano Du Noday, mais tarde bispo na diocese de Porto Nacional, em Goiás, que nela discerniu uma vocação monástica. Foi o que fez com que ela ingressasse nas Monjas Dominicanas de Vila Formosa, em São Paulo, mosteiro fundado pela Madre Reginalda de Jesus, a qual trouxe a “chama” dominicana do primeiro mosteiro de Monjas, fundado por S. Domingos no sul da França, para que, pela oração e penitência, fecundar a pregação dos seus primeiros frades.
Elsie, que em S. Paulo recebera o nome de Irmã Domênica da Cruz, tendo a saúde abalada seriamente pelas austeridades da vida daquelas monjas, vida que amava, foi, aconselhada, pela própria Madre Reginalda, após os votos trienais, a abraçar vida menos austera, e lhe indicou a Companhia da Virgem, fundado em Roma, pela brasileira Madre Francisca de Jesus, filha espiritual do dominicano Padre Reginaldo Garrigou Lagrange.6 Por coincidência, esse priorado fora transferido de Roma para o Brasil (Petrópolis), após a morte da sua fundadora 7, por influência e ajuda da Sra. Embaixatriz do Brasil no Vaticano, Dona Lavinia Luiz Guimarães18, tia de Elsie.
No dia 2 de julho de 1941, entrou na Companhia da Virgem, para em 25 de março de 1943 fazer os primeiros votos religiosos.
No Brasil, foram pouco a pouco ingressando candidatas. Chegado o Concilio Vaticano II, um documento conciliar o Perfectae Caritatis, era dedicado à vida religiosa na Igreja. As normas para a execução desse documento esclareciam que, comunidade que cresciam lentamente, ao mesmo tempo em que os membros efetivos iam envelhecendo, deveriam procurar fusões, para que isso evitasse uma extinção das mesmas.
“Em geral, nós, as da Companhia da Virgem, fazíamos questão de dizer, com certo orgulho, que foi só por escassez de vocações, e não por “decadência”, como muitas vezes é o motivo das extinções. Como também dizíamos às Irmãs antigas, que conviveram com a “nossa Madre Fundadora”, e para as quais era muito duro pensar que “a coisa morreu”, dizíamos: “Não acabou a Companhia da Virgem, apenas fomos enxertadas em outro tronco, e, por isso, passamos a nos chamar Mosteiro da Virgem”.9
Assim, após muita oração e reflexão, foi promovida e feita a fusão da Companhia da Virgem com a Ordem de São Bento através da Abadia Nossa Senhora das Graças na cidade de Belo Horizonte. Com suas irmãs da Companhia da Virgem, irmã Maria Emmanuel fez profissão solene e recebeu a Consagração das Virgens, a oito de dezembro de 1969.
A pequena Elsie adotou na Ordem de S. Bento o nome de Irmã Maria Emmanuel – “Deus Conosco”, como gostava sempre de ressaltar quando a interpelavam porque não se chamar: Ir. Emanuela.
Em 1955, quando houve o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, no Rio de Janeiro, escreveu ao monge americano, Thomas Merton obtendo dele a tradução inglesa do Hino. Deixemos que ela mesma nos narre como tudo aconteceu:
“De maneira muito simples: Houve um Congresso Eucarístico Internacional em 1955, e houve um concurso para o hino deste Congresso, e Dom Marcos Barbosa10, e muito meu amigo, ganhou o prêmio. Ele veio me visitar e me pediu que escrevesse Thomas Merton para que traduzisse o hino. Eu não o conhecia, mas conhecia seus livros. Concordei, mas a superiora, que era muito severa, achou um absurdo, mas depois consentiu. Então escrevi uma cartinha em Inglês perguntando-lhe se podia fazer a tradução. No mesmo dia ele respondeu dizendo de sua alegria em receber uma carta de um claustro. Nós mandamos imprimir o hino em cartões e distribuímos pelo Brasil. Depois ele me mandou um livro, “Bread in the Wilderness”11, para que eu traduzisse. Eu não sabia português direito por ter sido educada na Europa, traduzia a lápis, num caderno, e lia para as irmãs. E o relacionamento começou a partir deste livro. Traduzi o livro “O Pão do Deserto” apenas para dentro do convento; entretanto, Dom Marcos Barbosa veio me visitar e perguntou-me o que estava fazendo, e me disse que tinha de publicar o livro. Passei a traduzir todos os livros do Thomas Merton para a Editora Vozes. Traduzi 25 de seus livros.”12
Assim, iniciou-se uma amizade com Ir. Maria Emmanuel, que só terminaria com a morte do religioso trapista, em 1968.
2- Quem encontra um amigo, encontra um tesouro
A célebre frase do livro Eclesiástico 6,15, nos lembra muito sobre a vida de Ir. Maria Emmanuel. Mas, o leitor pode perguntar-se: amizade entre religiosos, como? A amizade
sempre foi um tema muito tratado, principalmente hoje com os vários meios de comunicação social, onde “pedir amizade” virou moda, independente da idade, porém, muitas vezes é visto e interpretado de maneira superficial e banal.
Então, nasce a pergunta: o dever cristão de amar a todos anula o sentido de amizade? Não. Muito pelo contrário, pois a predileção por alguém pode ser uma autêntica fonte de alegria e de enriquecimento mútuo. Na verdade, os autênticos valores humanos, vem transformados e elevados, pelas virtudes cristãs e pela graça. Então, qual seria a diferença entre amizade e amor? Para esta questão, responde o doutor da amizade, o monge cisterciense medieval, Elredo de Rievaulx: “A lei da caridade obriga-nos a acolher no seio do amor não só os amigos, mas também inimigos (Mt. 5,44) mas chamamos amigos somente aqueles que não temos medo de confiar os nossos corações com tudo o que tem dentro, e eles fazem o mesmo também, unindo-se a nós em um relacionamento que tem a sua lei e sua segurança na recíproca confiança.”13
E foi justamente isto que aconteceu com Ir. Maria Emmanuel e o Pe. Tomas Merton, por exemplo. A amizade que nasceu entre eles, consagrados inteiramente ao Senhor, pode também ser descrita novamente com as palavras de Elredo, em seu comentário sobre o livro do Cântico dos Cânticos 1,1: “O beijo espiritual é um sentimento do coração; não é um unir os lábios, mas uma fusão dos espíritos e o Espírito de Deus que torna tudo casto e o introduz, com a sua presença, o gosto pelas realidades celestes. Não é inconveniente chamar este beijo, o beijo de Cristo…”14
Sim, o gosto pelas coisas celestes, produziram muitos frutos, como podemos ler na primeira correspondência entre Ir. Maria Emmanuel e Tomas Merton.
A monja de Petrópolis, já então amiga de vários escritores, Luiz Guimarães Filho, seu tio e Manuel Bandeira, dentre outros, e senhora de vasto círculo de amigos no Brasil e exterior, principalmente nos Estados Unidos e Europa, começou a traduzir a obra de Thomas Merton. Pelo menos 25 livros do trapista, que conquistou o interesse e a admiração de meio mundo pela riqueza do seu pensamento e pela própria personalidade, foram traduzidos por Ir. Maria Emanuel. Graças a ela é grande, ainda hoje, o número de leitores e quase devotos de Thomas Merton no Brasil. Prova disso é a existência da Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton, no Brasil. Além de tradutora e divulgadora da obra mertoniana, Ir. Maria Emanuel, escreveu um livro: Thomas Merton: O homem que aprendeu a ser feliz16, no qual dá a conhecer fatos curiosos sobre a amizade que unia autor e tradutora, além do conhecimento que Merton tinha dos brasileiros.
Em 1997 ir. Maria Emmanuel recebeu o prêmio “Louie” da The International Thomas Merton Society, “como a principal tradutora das obras de Thomas Merton, para o português, e como a principal motivadora no Brasil da ITMS, e modelo de inspiração para os seus membros. Como autora de Thomas Merton:o homem que aprendeu a ser feliz”.17
Este trecho interessante nos confirma:
“…aliás falou-se há pouco na possibilidade da sua vinda (Thomas Merton) para o Brasil, já que parece estarmos ficando maduros para uma fundação puramente “contemplativa”, como não ocorreu, há trinta anos atrás, com os primeiros trapistas do Vale do Paraíba. Ele o desmentiu em uma carta a uma jovem monja brasileira 18 filha de ilustre família patrícia, cuja luminosa trajetória para a sombra da verdadeira luz acompanhamos de perto desde as veneráveis e saudosíssimas paredes da praça 15. Nela, dizia, não haver fundamento, nessa notícia, embora tivesse gostado que fosse. “Quisera que fosse verdade. Gostaria muito de ser enviado para o Brasil. Mas não parece ser esta a vontade de Deus.” 19
3- Um amigo fiel é um bálsamo de vida
Ir. Maria Emmanuel era realmente envolvida por Deus, e o perfume suave que emanava de sua vida, atraia muitas outras pessoas, que dela se aproximava, deixando-se edificar com seus ensinamentos e conselhos, como podemos ler nos seguintes testemunhos:
“ …Louvemos, pois as freiras da Companhia da Virgem” 20
“A excelente tradução das religiosas da Companhia da Virgem, conserva o estilo simples, colorido, espontâneo do autor, o que orna a leitura fácil, suave, atraente, embora seja o assunto de elevada espiritualidade…” 21
“ Era uma pessoa amiga de todos, que irradiava alegria, espiritualidade e amor ao próximo e temos que agradecer ao criador pelas grandes maravilhas que Deus operou por meio dela. Uma vida dedicada ao Senhor, e a se dar a todos, a todos atendendo e fazendo o bem” 22
“A metade dos livros de Merton foram traduzidos pela ir. Maria Emmanuel de Sousa e Silva, beneditina do mosteiro da Virgem em Petrópolis que é a maior conhecedora de sua obra entre nós e sua principal tradutora em todo o mundo. Aos 87 anos, Irmã Maria Emmanuel, que no ano passado publicou pela Vozes um perfil do autor, ‘Thomas Merton, o homem que aprendeu a ser feliz’, até hoje conserva em seu poder várias lembranças dele, dentre as quais as cartas que Merton lhe mandou.” 23
“Lembro-me sempre da senhora e de seus conselhos. A senhora marcou muito minha vida em DEUS. A senhora foi esse elo entre Jesus e eu. O Mosteiro da Escuta do Senhor existe também por sua ajuda. Aliás foi a senhora que sugeriu o nome. Tão bonito e tão significativo. Maria na sua atitude de Escuta na Anunciação gera o Salvador. E o monge nesta atitude de escuta entrega sua vida ao Senhor pelo mundo”24
“Estou convencido de que é a senhora, e não eu, a pessoa indicada para escrever a respeito dele (Thomas Merton). Debito sua humildade em não tomar tal iniciativa.”25
“Todo esse tempo do Advento e Natal deve ser uma fonte contínua de consolação para o seu coração, pois seu nome ocorre com tanta frequência na Liturgia. E também para a sua comunidade você é um lembrete “na carne” da presença de Deus entre nós.26
“Entre elas está uma antiga (ir. Maria Emmanuel osb) da nossa Praça 15. Continua a guardar até hoje aquele encanto de menina-moça, sorrindo pelos olhos, com que acompanhava as nossas aulas dos velhos tempos. Filha de uma ilustre almirante e de uma grande família, estudava na França e na Inglaterra, a par de tudo, interessando-se por tudo, lendo avidamente e sofrendo com os males dos tempos, sem jamais perder a pureza das grandes alturas a que a suas frágeis, aparentemente frágeis, – sua presença através das grades, em que nós cá de fora é que somos prisioneiros, é um gole de água fresca para os viajantes sedentos. Corresponde-se com Thomas Merton, cujas obras traduz, e com escritores e poetas de Inglaterra, França, Itália, e é uma dessas grandes anônimas cujos nomes a discrição nos obriga a silenciar.”27
“Quanto a nossa grande e querida amiga Ir. Maria Emanuel, sou eu que perco não indo vê-la mais frequentemente, pois sempre volto edificado das visitas que lhe faço…foco de luz para todos nós.” 28
“Tive a ocasião de escrever seu nome em um dos quatros artigos que, sob o nome de ‘Adeus à Praça 15’, escrevi para a minha secção do “Diário de Notícias” despedindo-me da nossa velha sede da Coligação e do Instituto Católico, onde o Pe. Secondi foi colher essa flor, a primeira, que hoje está em Petrópolis, neste priorado da virgem, rezando por nós”. 29
“Tenho vivido momentos de tão intensa alegria que me sinto tendo uma visão (pálida) do céu! Como a graça divina realizando um sonho de mais de 30 anos. Como a graça de Deus, Ir. Emanuel foi um doce instrumento do que agora experimento. Que Deus a abençoe.30
“Thomas Merton tornou-se conhecido no Brasil, graças sobretudo à ir. Maria Emanuel de Sousa e Silva, sua tradutora mais fértil e guardiã de mais de meia centena de cartas e outros escritos originais de Merton. O monge sempre manifestou grande interesse pelo Brasil. Irmã Maria Emanuel, considerada a “Cônsul de Thomas Merton para o Brasil.”31
“O bom Deus fez com que nossos caminhos se cruzassem ainda aqui na terra e por seu intermédio muitas graças me tenham sido concedidas, em abundância.”32
“Ir. Maria Emanuel vive no claustro do Mosteiro da Virgem desde 1941. No entanto sua fama como estudiosa da espiritualidade já ultrapassou em muito os limites do convento. Correspondeu-se com um dos mais respeitosos monges do século XX, o trapista Thomas Merton; ela traduziu 25 de seus livros para o português. Contribuindo ainda mais para a divulgação da religião, ela introduziu em nosso país um dos movimentos espirituais que mais crescem em todo o mundo: a Meditação Cristã.”33
4- Humildade: virtude que rouba o Coração de Deus
Outra característica que podemos ressaltar em nossa ir. Maria Emmanuel é a sua humildade, virtude típica de quem caminha com o Senhor, e tão amada e bem descrita por Nosso Pai São Bento em sua Regra, quando lhe perguntaram se se considerava uma intelectual, respondendo com seu humor característico que, dentre suas irmãs era a mais “burra”, pois a irmã mais velha era inteligentíssima; seu irmão era também muito inteligente, e a mais nova não era a exceção, pois lia um livro por dia, o que fazia dela um gênio. Ela, nossa ir. Maria Emmanuel, a “burra” da família, como dizia, e tímida, não falava. Foi bandeirante, frequentava o Country Club, ganhou um campeonato na praia e assim as pessoas acreditavam que não ficaria no convento. Quem poderia acreditar?
Deus acreditou! Acreditou que se a chamasse para segui-lo, a resposta seria: sim! Mas como Deus é um mistério absoluto, nossa irmã, ao falar de como descobriu o chamado para a vida religiosa e contemplativa, o define como tal, isto é: um Mistério. Já com 22 anos e acreditando que não se casaria, vendo todas as suas amigas casadas, desejou no seu intimo entrar para um convento, mas um onde não se pudesse falar e não tivesse contato com ninguém, desaparecendo. E esta foi sua decisão.
“Aquela que um dia pretendeu esconder-se, onde paradoxalmente, foi encontrada por tantos e tantas, sem falar na grande correspondência com quem mantinha, falando e escrevendo em várias línguas”34
Viveu por muitos anos sem receber cartas, sem receber visitas, sem ver família, só depois com o Concílio Vaticano II é que tudo mudou. Toda esta forma de vida ela sabia, que era uma ascese. Disto nunca se enganou.
5- Quem teme ao Senhor é fiel na sua amizade
Não poderíamos deixar de dar ênfase na amizade entre Ir. Maria Emmanuel e Thomas Merton. Esta nos trouxe tantos frutos e foi canal de muitas conversões em todo o Brasil. Traduzir livros é bem mais que tornar palavras compreensíveis, é fazer o coração de o autor transparecer, as ideias fluírem até tocar o coração do leitor. Conhecendo muito bem a essência de Merton, ir. Maria Emmanuel conseguiu traduzir perfeitamente suas obras, ao ponto do próprio monge demonstrar total confiança nas “traduções e negócios”, e, claro, como em toda amizade, confia os segredo, dores e alegrias de seu coração.
A seguir, alguns trechos, das correspondência entre eles:
“Ainda não estou no eremitério, mas quando estiver não poderei certamente responder a maioria das cartas. Naturalmente que responderei cartas como as suas, que tratam de assuntos importantes… Fico feliz em parecer um latino americano aos olhos dos seus amigos! sinto-me como tal. ( 11/07/1965)
“Lembro-me da senhora em minhas orações. Fielmente. Talvez isto se deva ao fato dos meus pensamentos se voltarem com tanta facilidade para o Brasil , país que tanto amo.” (16/09/1960)
“Minhas orações especiais por todos vocês queridos amigos no Brasil, país que tenho como um amigo acolhedor.” (2/12/1960)
“Gostei muito das suas duas cartas, mas não tive tempo de escrever! Tenho estado muito ocupado. Sou muito grato a todos por tudo, em especial o Alceu Amoroso Lima, e todos que tem sido tão generosos a ponto de redigirem prefácios.” (9/08/1961)
Perguntada se se limitou somente as traduções Mertonianas, disse :
“Não, traduzi outras obras, mas muito pouco, porque não tinha tempo. Agora não, mas naquele tempo tinha que lavar chão, limpar cozinha e tudo isso. Eu traduzia Thomas Merton nos momentos livres, e outras irmãs também traduziam outros livros. Tínhamos uma equipe e traduzíamos italiano, inglês, francês e espanhol. Eu tinha uma hora por dia só para traduções”.
“Merton disse que o Brasil foi o país onde seus livros mais vendiam. Ele entendia bem o português e em sua opinião, (Merton) nenhuma pessoa traduziu tão bem seu pensamento.”
Mesmo sem nunca ter vindo ao Brasil, Thomas Merton aprendeu nossa língua facilmente, como testemunhou Dom Beda, OCSO, em uma carta a nossa irmã Maria Emmanuel de janeiro de 1970: “liamos algumas poesias juntos; isto é, ele lia e eu ia corrigindo a pronúncia ou explicando certos termos. Em pouco tempo, ele aprendeu o suficiente para ir adiante sozinho.”
Quanto à qualidade de suas traduções:
“Noto na sua tradução uma total afinidade com o pensamento do autor o que é importantíssimo. Para mim uma tradução é praticamente uma re-criação da obra. Algo parecido com a execução de uma peça musical que pode ser “assassinada” se o executante não for verdadeiramente artista.”35
E também:
“Realmente trabalhei com nossa Irmã Emanuel muitos anos, na revisão de suas traduções. Ela não só era grande admiradora dele e sua tradutora, mas também verdadeira amiga, quase o tinha, dir-se-ia, como um irmão. Dava até a impressão de ter convivido com ele. Quando traduzia outros livros, e ficava algum tempo em dúvida sobre alguma palavra, às vezes tinha um expressão um tanto cômica: “deixa assim mesmo, ninguém vai ler isto”. Mas com os de Merton isto não acontecia.” 36
“A metade dos livros de Merton foram traduzidos pela ir. Maria Emmanuel de Sousa e Silva, beneditina do mosteiro da Virgem em Petrópolis que é a maior conhecedora de sua obra entre nós e sua principal tradutora em todo o mundo. Aos 87 anos, irmã Maria Emmanuel, que no ano passado publicou pelas Vozes um perfil do autor, “Thomas Merton, o homem que aprendeu a ser feliz”, até hoje conserva em seu poder várias lembranças dele, dentre as quais as cartas que Merton lhe mandou.” 37
Voltemos a Thomas Merton:
“Minha Irmã Emanuel, garante que a tradução que você fez, é realmente muito boa. A carta que me descreve as belezas de Petrópolis, me toca profundamente. Você tem sido muito dócil em seguir meus conselhos, e saber a opinião de minha irmã Emanuel, da qual eu dependo muito para todos os meus negócios (coisas) no Brasil, e que tenho a mais plena confiança.” 38
Pouco antes de sua morte, assegura seu amor pelo Brasil, tendo um grande desejo de conhecê-lo: “Acho os poetas brasileiros diferentes dos outros Latino-Americanos. O gênio ameno, o amor franciscano pela vida, o respeito por todo ser vivo…”
Em outra carta Merton faz referência ao seu amor pelo Brasil: “Muito obrigada pela sua bela carta. Aprecio sempre suas cartas com notícias do Brasil. Você me passa um contato vivo e caloroso com um país que amo e pelo qual agora rezo seriamente preocupado.Minhas, bênçãos. Reze por mim e mande as minhas cordiais saudações a todos os meus amigos.” (17/04/1966)
“Embora neste momento eu esteja afastado do mundo da política, ainda assim penso na situação aí e a tenho nas minhas orações.” (Carta de 1/12/1965)
Em 2/12/60, Merton, fala do tempo de Advento, como sendo o tempo dela: Emmanuel. Que se lembrará dela, nas leituras de profeta Isaías, na preparação da vinda de Cristo entre nós. Fala da intenção pela qual lhe pediu orações, tendo sido parcialmente realidade e agradece atribuindo isto as orações de muitos amigos bons e santos.
Em 16/09/1960, Ele diz que se lembra todos os dias de Ir. Maria Emmanuel na Missa fielmente, talvez pelo fato de seus pensamentos estarem tão voltados paro o Brasil.
Eis a verdadeira amizade, onde Jesus é o centro e a finalidade, e o elo que nos une. Quando uma amizade é fundada na Rocha firme, que é próprio Senhor, não existe distância e obstáculos, como se pôde constatar. A amizade é a antecipação da felicidade celeste, como definirá Elredo:
“A alegria do indivíduo será de todos, e a alegria de todos pertencerá ao indivíduo. Não haverá mais pensamentos ocultos e amores falsos. Esta é a amizade verdadeira e eterna, que começa aqui e se aperfeiçoará lá; que aqui é de poucos, porque poucos são bons; lá ao invés, será de todos, porque todos serão bons.”39
Neste mês de Janeiro, neste dia do centenário de nascimento de Thomas Merton, relembrando nossa querida irmã Maria Emmanuel, que juntamente com Thomas Merton, foram Promotores da Paz, elevemos nossos corações agradecidos ao Pai de Misericórdia:
“Jesus, Caminho, Verdade e Vida, ao voltar para o Pai tu nos confiaste a missão de sermos o SINAL do amor misericordioso do Pai neste mundo. Como? “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, vós nos ensinastes. Queremos com seriedade cumprir esta missão sendo fraternos para com os que precisam de nossa atenção e carinho; ajuda-nos, Senhor, neste dia da Fraternidade e da Paz.“A paz esteja convosco”. “Eu vos dou a minha paz.” A Paz, é, pois, sinal da Presença amorosa de Deus nosso Pai, no meio de nós. Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, contemplando a ti aprenderemos a comunicar o amor e a Paz de Jesus aos que sofrem. Senhor, dá-nos um coração cheio de fé e de paz neste mês da Fraternidade Universal! Amém!” 40