Blog › 20/11/2018

Thomas Merton e a Arte Sacra

A beleza da verdade vista pela inteligência atrai nossos corações para fora de si mesmo, em amor e admiração1, com esta frase descortina-se diante de nós o horizonte da arte e da contemplação estética, temas caros a Thomas Merton. Para ele, existe uma contemplação estética, não necessariamente religiosa, em torno da satisfação e admiração da beleza da verdade abstrata. No entanto, somente uma “admiração sagrada” pode elevar a percepção intelectual da beleza à contemplação no sentido religioso da palavra.

Entender essa dinâmica exige desvestir a palavra “contemplação” de suas “conotações pagãs e intelectuais” e vesti-la daquele tremor com o qual Moisés tirou as sandálias de seus pés no Monte Horeb, quando ouviu a voz de Deus falando da sarça ardente e advertindo-o que estava em solo sagrado. Desse modo, segundo Merton, a contemplação, aplicada ao tema da arte, no contexto cristão, implica necessariamente, um terror sagrado, um santo espanto.

Thomas Merton estabeleceu um profícuo diálogo com a sociedade e a cultura de seu tempo e, por isso, com diversos temas. No que diz respeito a arte e, posteriormente, à arte sacra, é necessário destacar de antemão, um expressivo reconhecimento de que há uma inequívoca convergência entre a experiência religiosa e a experiência estética, e na arte, aquilo que estaria o mais próximo desta experiência no sentido das percepções humanas2 e sua condição. Assim, “a poesia, a música e a arte têm algo em comum com a experiência contemplativa.”3

A contemplação relaciona-se com a arte, o culto, a caridade. Todas essas coisas se estendem pela intuição e a autodedicação, a domínios que transcendem a conduta material da vida cotidiana. Ou melhor, em meio à vida ordinária de cada dia, elas procuram encontrar um sentido, elas transfiguram a vida toda. A arte, o culto e o amor penetram nas fontes das águas vivas que fluem das profundezas onde o espírito do homem se une a Deus, ali haurindo o poder de criar um mundo novo e uma vida nova.4

Como destacado por Sibelius Cefas5, reconhece-se logo que quando Merton está falando da arte, está falando da arte de qualidade reconhecida pelo seu autêntico esplendor estético, e não aquelas que se estruturam como obras piedosas, cheias de boas intenções, mas esteticamente pobres. Assim diz Merton:

Um poema verdadeiramente religioso não nasce apenas de um propósito religioso. Nem poesia nem contemplação são feitas de “boas intenções”. De fato, um poema que não brota de uma necessidade espiritual mais profunda do que uma intenção devota, inevitavelmente há de parecer, ao mesmo tempo, forçado e insosso. Arte que é “forçada” não é arte e tende a exercer sobre o leitor o mesmo efeito perturbador que a piedade forçada e a tensão religiosa sobre aqueles que fazem força para se tornar contemplativos, como se a contemplação infusa pudesse ser o resultado do esforço humano e não um dom de Deus. Parece-me que seria melhor se tal poesia não fosse escrita. Pois tende a confirmar os incrédulos na desconfiança de que a religião amortece, em lugar de nutrir tudo que há de vital no espírito do homem. Os salmos são, ao contrário, os mais simples e, ao mesmo tempo, os maiores poemas religiosos.6

Merton também desenvolveu seu pensamento sobre a arte sacra em um ensaio intitulado Arte sacra e vida espiritual7, em tom crítico, e até mesmo irônico, fala de uma “arte má”, que em seu tempo se desenvolve dentro de duas tendências predominantes. O primeiro marcado pelo “convencionalismo decrépito da piedade conformista” que se apega ao que é familiar, e o segundo pelo “excêntrico de qualquer novidade” caindo em um experimentalismo despreocupado com a fecundidade da obra. Para Merton, “não há dúvida de que existem bons artistas e bons artesãos” e que “a arte sacra está viva e se desenvolve de fato.”

Merton denuncia no ensaio a “incapacidade de olhar, ver, admirar e contemplar”, e o “enfraquecimento do espírito do homem, enbotando-lhe a inteligência, paralisando a capacidade de meditar e a vida interior de oração.” Faz o apelo para que as pessoas “aprendam a abrir os olhos e saibam ver, em lugar de pensar que veem, olhando apenas para o que lhes foi dito ver ou o que imaginam dever ver.” O apelo de Merton é para que haja o abandono do cego conformismo e da recusa de utilizar os próprios olhos para o fim a que foram criados: ver e se alegrar com a beleza de Deus na criação, procurando-O nessa beleza e através dela.

A autêntica arte sacra cristã exerce influência transformadora sobre a alma do cristão. Assim, esta arte é teologia em linhas e cores: fala ao homem todo: em primeiro lugar fala à sua vista, mas também fala ao seu espírito e ao seu coração, tendo por missão a difícil tarefa de comunicar uma realidade espiritual escondida e invisível.

Por fim, para Merton, “a obra de arte tem que ser autenticamente espiritual, verdadeiramente tradicional e artisticamente viva, e o gosto artístico é um dom de Deus, um talento que não é lícito deixar-se perder ou destruir.” As palavras de ensinamento de Merton ressoam atuais e urgentes em nosso tempo carente da qualidade do “ver”, que possamos abrir os olhos!

NOTAS

1MERTON, Thomas. A experiência interior. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.86

2Cf. PEREIRA, Sibelius Cefas. Mística e Literatura no percurso contemplativo de Thomas Merton. Revista Terceira margem 36 | ano xxi | jul.- dez. 2017 | 51 pp. 48-82, p. 73.

3MERTON, ThomasNovas sementes de contemplação. Rio de Janeiro: Fissus. 2001, p. 9.

4MERTON, Thomas. Poesia e Contemplação. Rio de Janeiro: Agir, 1972, p. 189.

5Cf. PEREIRA, Sibelius Cefas. Mística e Literatura no percurso contemplativo de Thomas Merton. Revista Terceira margem 36 | ano xxi | jul.- dez. 2017 | 51 pp. 48-82, p. 77.

6MERTON, Thomas. Pão no Deserto. 3ª ed., Petrópolis: Vozes, 2008. p. 59-60.

7MERTON, Thomas. Questões abertas. Petrópolis: Vozes, 1963, p. 172-186.

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