Blog › 13/04/2017

Quinta-feira Santa

Missa Ad Cœnam Domini

 

No evangelho de São João, Jesus fala muito de sua “hora”: do ainda não chegar de sua hora, da aproximação de sua hora, da chegada de sua hora. O capítulo 13 do Evangelho de João, que começa com o trecho do evangelho que acabamos de ouvir e de encenar [no rito do lava-pés], coincide com sua tomada de consciência de que finalmente a sua hora chegou. Como nós costumamos cantar nas festas de aniversário, neste momento o coração de Jesus cantou, “É hora, é hora, é hora, hora, hora.” Hora, hora, hora. Pouco tempo lhe sobra, pouco, mas suficiente para viver as três coisas que permanecem: crer, esperar e amar. Se há tempo para isto, isto lhe basta.

A primeira coisa que Jesus faz, sabendo que logo terá que voltar ao Pai, é amar. Podemos pensar que o filho pródigo da parábola era pródigo (o que de fato era), mas em comparação com a prodigalidade de amor de Jesus, ele era um pão duro, um asceta, um espelho da vida comedida. O filho pródigo de Lucas amava prostitutas; Jesus, os seres humanos. O filho pródigo amava com o corpo para sentir prazer; o filho do homem amava com o corpo para servir. O filho pródigo tirou a roupa para ter relações; o filho do homem tirou a túnica para transformar relações. O filho pródigo queria a sensação de dominar; Jesus, o filho pródigo, queria a realidade de servir. Serviço é a linguagem do amor gratuito; é a atividade constante de alguém que ama seu próximo. Linguagem sem palavras e linguagem mais expressiva de todas. Certo de que a sua hora tinha chegado e que tinha que agir agora mesmo ou perder para sempre a oportunidade, ele buscou e encontrou o gesto inesquecível de seu compromisso com seus amigos. É muito curioso: na mesma noite em que Jesus diz para os seus discípulos, “Eu não mais vos chamo servos mas amigos”, ele mostra da forma mais completa a sua amizade em fazer-se o servo de todos.  Para Pedro, era chocante demais, este esbanjamento de amor. Assim como o filho mais velho da parábola ficou inconformado com o esbanjamento dos bens do seu irmão mais jovem, Pedro fica inconformado com o auto-esbanjamento de Jesus, seu bem, seu único bem, seu irmão mais novo. Dos doze, Pedro era com certeza o mais sábio. Só ele entendia a extravagância do ato de Jesus. Para os outros, era coisa pacífica tirar as sandálias e as meias. Só Pedro entendia o suficiente para dizer “Espere aí!” E mesmo ele teve de ceder diante da veemência do amor de Jesus. Talvez ele também fosse o único que entendia quando Jesus mandou seus discípulos agir do mesmo jeito uns para com os outros, na primeira formulação do Novo Mandamento.

O tempo está passando. A sua hora se reduziu a uma meia hora, a sua lua cheia a uma lua minguante. É hora para crer. Não crer em uma verdade, mas crer em pessoas. E crer em pessoas significa mostrar confiança nelas, confiar algo a elas. Este ato de fé Jesus realiza por meio do prato e do cálice. Além de ser o mistério da fé, a instituição da Eucaristia é a mais sublime das inspirações poéticas. Jesus quer demonstrar sua confiança absoluta nos seus discípulos, quer deixar aos seus cuidados aquilo que lhe é mais precioso. Sentado à mesa com eles, a mesa da Páscoa, ele descobre no pão e no vinho os elementos mais apropriados para simbolizar (na plenitude do termo) aquilo que ele deseja confiar a eles: todo o seu ser, Jesus inteiro, sem excluir nada. É um ato de fé que tira o fôlego. Ele já sabe que logo eles vão abandoná-lo, negá-lo. Isto não é o importante. Não é para esta noite que ele se entrega em suas mãos; é para todo o sempre. Não é a sua fidelidade nesta noite que é decisiva. Jesus quer manifestar sua fé em sua fidelidade, os torna fiéis pela fé que ele manifesta. Assim como o mais desajeitado dos pais fará todo o possível para não deixar o seu bebê cair – e conseguirá, porque aquele neném é infinitamente precioso e infinitamente frágil – assim o homem Jesus se entrega nas mãos dos seus discípulos, proclamando por este ato que ele tem a certeza da fé de que eles não o deixarão cair.

Quanto tempo até o esvaziar-se da hora e a chegada dos soldados? Quinze minutos? Tempo bastante para esperar neles, para demonstrar sua esperança neles. Jesus fala longamente e intensamente nos minutos que restam, sobre tudo o que está para acontecer, sobre o julgamento deste mundo, sobre a vinda do Espírito Santo, sobre o mistério de sua vida íntima com o Pai, e sobretudo sobre o lugar que ele vai preparar para eles. “Daqui a pouco não me vereis; mais um pouco e me vereis de novo.” Deste modo Jesus comunica a sua esperança no seu futuro comum. Tudo o que ele está para fazer visa a criação de uma morada permanente, uma tenda, onde ele e eles viverão juntos. “Pai, quero que onde eu estiver, eles também estejam comigo.” No mesmo Evangelho de João, capítulo 17, a oração sacerdotal, talvez pareça que Jesus nem está mais consciente de sua presença; que ele está sozinho com o Pai. Engano nosso. Toda palavra é pronunciada para eles, para deixar claro, além de dúvida, que neles ele coloca a sua esperança, que pelo poder do Espírito eles se mostrarão dignos de sua esperança.

Muita coisa pode ser feita dentro de uma hora. Bom. A vida inteira de Jesus se orientava para esta hora; ele sempre soube o que faria quando finalmente ela chegasse. E na hora de nossa vida – pois toda esta vida nossa não passa de uma hora – o que queremos fazer? Sabemos que nossa morte tem uma hora – “agora e na hora de nossa morte” – e sabemos que a nossa vida tem uma hora, que se chama agora. Com esta imensa riqueza que possuímos e os sessenta minutos que temos para gastá-la, o que queremos fazer?

Homilia de Dom Bernardo Bonowitz na Quinta-Feira Santa de 2016
Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo
Campo do Tenente, Paraná

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