Thomas Merton, o famoso monge trapista e autor best-seller, já morreu há 50 anos. Quando inesperadamente ele faleceu em 10 de dezembro de 1968, aos 53 anos de idade, quando fazia uma turnê na Ásia em que falava sobre a renovação da vida monástica. Além de dezenas de livros, sua obra conta com muitos artigos em jornais e inúmeras cartas de correspondência com pessoas de todo o mundo. Merton também deixou um legado, incluindo um modelo para a vida cristã moderna que incentivou tanto religiosos como leigos a perseguirem uma vida de oração, santidade e justiça social.
Se levarmos em consideração o ritmo acelerado de mudança em que as coisas se dão no nosso contexto contemporâneo, e o maior protagonismo que a tecnologia desempenha em todas as dimensões de nossas vidas, e as incontáveis diferenças entre a vida de um monge de meados do século XX e a nossa realidade, pareceria, à primeira vista, que as ideias, os escritos, a visão e o exemplo de Merton estariam antiquados, dignos de estarem dispostos num museu.
Essas peças podem ser tratadas como valiosas por si só, talvez servindo como inspiração à distância, mas não particularmente relevante para nós no século XXI. Merton pode ser considerado apenas outro morto autor branco do sexo masculino, como Dickens ou Chaucer ou Erasmo, para ser colocado numa prateleira de biblioteca e esquecido. Ele pode ser lembrado como uma importante figura histórica de sua época, mas não levado a sério hoje em dia.
Mesmo assim, após exame mais atento, acredito que Merton nos fornece pelo menos três razões convincentes para continuarmos aprendendo sobre ele e lendo seu trabalho.
Primeiro, existe a óbvia instância de pertinência permanente. Merton foi um dos primeiros líderes religiosos católicos antes do Concílio Vaticano II a enfatizar a importância da oração e da contemplação para todas as pessoas e não apenas os religiosos "profissionais" (ou seja, freiras e padres). Ele articulou em seus populares escritos espirituais, como Novas Sementes de Contemplação, o que o Vaticano II mais de uma década depois descreveria como o "chamado universal à santidade". Todos os homens e mulheres, em virtude do seu batismo, receberam uma vocação, e para descobrir qual é, se deve orar e discernir. Cada um de nós também tem o que Merton chamou de nosso "verdadeiro eu", que é quem somos em nossa plenitude assim como é conhecido somente por Deus. Isto significa que para descobrir a nossa verdadeira identidade devemos buscar e descobrir a Deus em oração. Estes insights são tão atemporais como a busca humana pela autenticidade.
Em segundo lugar, temos a área menos óbvia da atualidade de seus escritos posteriores. A maioria dos leitores de Merton estão familiarizados com seus escritos abertamente espirituais, mas poucos estão a par de sua crítica social e escritos sobre a justiça. Em livros como Sementes da Destruição e Faith and Violence (Fé e Violência, em português), as reflexões proféticas de Merton sobre o racismo estrutural nos Estados Unidos e a relação entre medo e violência soam como uma mensagem desafiadora na atualidade, assim como fizeram há cinco décadas.
Tome por exemplo seu ensaio de 1965 intitulado: "The Time of the End is the Time of No Room" (O Tempo do Fim é o Tempo Sem Espaços, em tradução livre). Nele Merton descreve a cena do nascimento de Jesus em Belém, que estranhamente lembra o que está acontecendo hoje na fronteira sul dos Estados Unidos.
Neste mundo em que não há absolutamente nenhum espaço para Ele, Cristo veio sem convites. Mas porque Ele não pode se sentir em casa, porque está deslocado, e ainda assim deve estar neste mundo, seu lugar é com aqueles para quem também não há espaço. Seu lugar é com aqueles que não pertencem, que são rejeitados pelo poder porque são considerados fracos, aqueles que são desacreditados, que são negados do status de pessoa. Cristo está presente neste mundo junto daqueles para quem não há espaço.
[Excerto traduzido livremente, ndt]
Este ensaio, que contribui para uma poderosa reflexão sobre o Advento e o Natal, desafia os cristãos a relacionar o Evangelho com os sinais do nosso tempo. Quando olhamos hoje ao redor de nosso mundo, nação e comunidades locais, perturba ter que reconhecer as injustiças sistêmicas que persistem firmemente mesmo tantas décadas depois. É evidente que poucos ouviram Merton daquela feita, mas, quem sabe, alguns possam ouvir agora.
Em terceiro lugar está o que eu acredito ser a razão mais significativa de porque as pessoas devem se interessar hoje por Merton: sua humanidade impassível. Assim como sua amiga e contemporânea Dorothy Day, Merton é um dos poucos exemplos de cristãos que temos que não são onerados pela hagiografia. Pessoa verdadeiramente moderna, a história de Merton dá muitas voltas, tem surpresas, desafios e momentos engraçados. Ele tinha uma vida antes do mosteiro e tinha uma vida no mosteiro: cada período durou cerca de 27 anos. As metades de sua vida revelam um homem complexo cuja santidade e pecaminosidade, orgulho e humildade, ambição e arrependimento estão em exposição graças a sua escrita prolífica e sua disposição a não disfarçar suas alegrias, esperanças, sofrimentos e ansiedades.
Ainda que a maioria dos jovens de hoje provavelmente não tenham ouvido falar de Merton, sua maneira de servir a Igreja e o mundo como monge, padre e escritor tem enorme potencial para dialogar com a necessidade de uma Igreja mais autêntica, honesta e transparente, como repetidamente expressam os jovens no documento da reunião pré-sinodal de março deste ano. Demógrafos e os sociólogos nos dizem que os Millenials e membros da emergente "geração Z" são incrédulos quando se trata de palavras sem ação, argumentos de autoridade avulsos, e a priorização da bella figura sobre honestamente admitir erros e transgressões. Eles querem líderes e mentores que saibam pedir perdão quando necessário e o oferecer quando for demandado.
Os jovens, e mesmo os não tão jovens, querem "verdadeiros" modelos cristãos, mulheres e homens que nos inspiram não pela sua perfeição na vida e na fé, mas pela sua luta empenhada para manter a fé. A experiência de Dorothy Day de conversão contínua, de lutas por paz e justiça em nome dos pobres, e a longa provação de Madre Teresa em vivenciar a ausência de Deus, embora persistindo no cuidado com os "intocáveis" da sociedade são exemplos de cristãos que falam com mulheres e homens hoje. É a sua humanidade em exposição que as torna sagradas e relevantes.
Merton também é um exemplo.
Devemos nos interessar por Thomas Merton hoje, porque em muitos aspectos ele nos revela algo para sobre quem somos: mulheres e homens modernos, religiosos e leigos, se esforçando para relacionar a fé do cristianismo com a particularidade de nossas vidas.
Seu conflito com os censores religiosos que procuraram mitigar ou silenciar suas publicações sobre a violência, o racismo e a responsabilidade cristã em pôr a fé em ação fala às experiências daqueles que desejam mais do que chavões cristãos, e assumem o risco de trabalhar para a justiça na Igreja e no mundo.
A luta contínua de Merton com o ego e a ambição, ao mesmo tempo em que desejava sinceramente uma vida mais simples, orante e eremítica, dialoga com as motivações conflitantes que todos enfrentamos nas tomadas de decisão.
O fato de se apaixonar por uma enfermeira aos 50 anos, o afeto genuíno que eles tinham um pelo outro, e o tumulto registrado em seus diários sobre o seu discernimento - e sua decisão final de permanecer um monge -, toca na condição humana universal de amor e perda, que tanto monges, freiras e leigos experienciam.
Devemos nos interessar por Thomas Merton hoje, porque em muitos aspectos ele nos revela algo para sobre quem somos: mulheres e homens modernos, religiosos e leigos, se esforçando para relacionar a fé do cristianismo com a particularidade de nossas vidas. 50 anos após sua morte, Merton não só intercede por nós, como também nos deixou a história de sua vida e muitos escritos para nos guiar em nossa própria jornada.
Frei Daniel Horan, OFM é frade franciscano da província do Santíssimo Nome de Jesus, professor assistente de teologia sistemática e espiritualidade na Catholic Theological Union em Chicago e escritor. O presente artigo foi publicado no site National Catholic Reporter, em 10-12-2018, e foi traduzido por Victor D. Thiesen (Revista IHU)