Blog › 31/03/2024

PÁSCOA: abrir-nos à experiência

 

Dom Bernardo Bonowitz, OCSO

Páscoa começa com uma experiência. Quando Jesus A ressuscitado foi ao encontro de seus discípulos no dia da Páscoa, eles não refletiam sobre o significado da sua ressurreição. Muito menos teologizavam. Eles tinham passado por uma semana de glórias, amores, infidelidades, horrores e luto. Estavam muito cansados. Estavam mal começando a absorver o choque da morte do mestre com o qual tinham convivido nos últimos três anos e a destruição de todas as suas esperanças. Quando Ele apareceu – vivo – no meio deles, eles só podiam experimentar. Mais tarde, caberia a Paulo e João tratar do sentido da ressurreição. Por enquanto, eles ficavam com a simples realidade.

Conosco não é muito diferente. Desde o Domingo de Ramos, a Igreja em sua liturgia nos tem conduzido pela traição, agonia, paixão, morte e sepultura. Como poderíamos dar uma reviravolta tão rápida e formular para nós mesmos uma abordagem teológica da ressurreição? Assim como os discípulos, só podemos ficar com os fatos, abrir-nos à experiência.

O que os discípulos experimentaram, e nós com eles?

Primeiro, que Jesus estava vivo. Apesar das predições do Senhor, os discípulos nunca tinham compreendido que Ele iria morrer e não tinham a mínima capacidade de compreender o que Ele queria dizer com as palavras “ressuscitar dos mortos”. Os Evangelhos dizem isto com toda clareza Depois da transfiguração, Ele os avisa para não falar sobre o acontecido antes de Ele ressuscitar dos mortos. Tudo bem, eles respondem, mas entre si perguntam: “Alguém aqui sabe o que é a ressurreição dos mortos?”. Mas agora Ele estava vivo. A alegria e o medo tomaram posse deles. Alegria por Ele – Ele não foi engolido pela morte; aquela grande baleia o tinha devolvido à terra dos vivos. Alegria por si mesmos, porque, apesar de sua mesquinhez e seu lema “sobrevivência pessoal acima de tudo”, eles o amavam. Era uma alegria enorme para eles vê-lo. Uma alegria que fez com que as lágrimas corressem. Mas também dava medo, porque tal alegria não cabia neste mundo.

Segundo, que Ele era diferente. Antes Ele já era grande; agora era majestoso. Ainda chagado, transmitia uma paz, uma segurança, uma maestria, uma realeza que eram mais do que humanas, mais do que temporais. Ele falava e agia com o sotaque da eternidade. Por seus gestos e seu olhar, dava a impressão de que tinha viajado longe, tinha sido coroado e agora tinha voltado a reinar. Toda aquela conversa zombeteira dos últimos dias sobre o “rei dos judeus” agora parecia ter fundamento, não era irônica, mas real.

Terceiro, Ele lhes dizia Shalom. “A paz esteja convosco”. Agora, a gente não diz Shalom para qualquer um. Shalom é reservado para os amigos, os irmãos, as pessoas do seu coração, os fiéis, os leais. Os discípulos se lembravam (não conseguiam esquecer) de sua fuga, de sua negação, da baixeza de sua covardia. Quando Ele precisava deles, a única vez em que Ele realmente precisava deles, eles tinham sumido. Cada um sentia algo da culpa de Judas pesar sobre si, e com razão. Com certeza Ele tinha percebido a sua ausência, a tinha sentido, a tinha chorado. Mas em vez de fazer repreensões, Ele tinha absorvido e perdoado a sua vil pobreza. A paz esteja convosco. Imagine!

Ele só se manifestava a eles enquanto estavam reunidos. Seja na Galileia, seja no caminho para Emaús, seja no cenáculo, seja onde for, Ele não os surpreendia um por um. Ele cumpria a sua própria profecia: “Onde dois ou três estiverem reunidos, eu estarei – de repente no meio deles” (Mt 18, 20). Os discípulos percebiam que Ele queria que permanecessem juntos, que Ele aparecia vez após outra para ser o centro radiante de seu grupo permanente. Sem palavras Ele claramente indicava que eles deviam continuar unidos, que eles compunham um organismo vital, uma comunidade, que iria continuar a girar em torno dele, o sol diante do qual eles se devem se inclinar, como os irmãos do patriarca José no seu sonho.

Finalmente, eles experimentavam o desejo d’Ele de ser anunciado. Ele lhes confiou uma missão: proclamar que Ele tinha ressuscitado dos mortos. Levaria muitos anos e uma boa dose do Espírito Santo para captarem as implicações desta ressurreição, mas desde já eles devem ir para os quatro cantos do universo e anunciar: Jesus ressuscitou. Pregando e vivendo, chegariam a entender.

Possivelmente, ficaram tão atordoados ao encontrarem o Senhor que nem captaram estes simples pontos que acabei de enunciar. Não importa. Uma coisa com certeza compreenderam ao vê-lo diante deles: “A minha vida vive e, portanto, eu vivo”; “Jesus, a minha vida, ressuscitou e n’Ele tenho vida nova”. Isto eles entenderam e nós também. E isto merece um “aleluia!”.

Sermões de um Trapista Brasileiro
Editora Biblioteca Católica
pág.77-80

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