Francesco Gagliano, publicado no site IHU tradução: Luisa Rabolini
O quinquagésimo aniversário da morte de Thomas Merton
É uma coincidência que exista algo de “profético” naquela que verá, neste mês de dezembro, primeiro no sábado, dia 8, a beatificação dos sete monges trapistas de Tibhirine – junto com outros 12 mártires mortos na Argélia entre 1994 e 1996 – e, dois dias depois, o quinquagésimo aniversário da morte de Thomas Merton, grande figura do catolicismo norte-americano e também monge trapista. Os dois eventos parecem quase se saudarem, inclusive porque para ambos os monges, de Tibhirine e o Padre Merton, o Papa Francisco dedicou vários momentos de pensamento, refletindo sobre o desejo de busca de diálogo e promoção da paz que os unia.
No prefácio de um livro recente sobre os mártires da Argélia, L’héritage (de Christophe Henning, Paris, Bayard, 2016), o Papa explicou que os monges “doaram com antecedência suas vidas” ‘e que, portanto, “somos convidados a ser, por nosso lado, sinais de simplicidade e misericórdia, no exercício cotidiano da doação de si, seguindo o exemplo de Cristo. Não haverá outra maneira de combater o mal que tece sua teia em nosso mundo.” Mais adiante Francisco escreve que “em Tibhirine vivia-se o diálogo da vida com os muçulmanos; nós, cristãos, queremos ir ao encontro do outro, seja ele quem for, para estreitar a amizade espiritual e aquele diálogo fraterno que podem superar a violência.”
O eco desses carismas pode ser ouvido nas palavras que o Papa dedicou a Thomas Merton durante o discurso ao Congresso dos Estados Unidos da América (1). Em 24 de setembro de 2015, em frente à assembleia plenária, Francisco lembrou que “um século atrás, no início da Grande Guerra, que o Papa Bento XV definiu como “massacre inútil”, nascia outro extraordinário norte-americano: o monge cisterciense Thomas Merton. Ele continua a ser uma fonte de inspiração espiritual e guia para muitas pessoas (…) Merton era acima de tudo um homem de oração, um pensador que desafiou as certezas deste tempo e abriu novos horizontes para as almas e para a Igreja. Ele também foi um homem de diálogo, um promotor da paz entre os povos e as religiões”.
Por ocasião do quinquagésimo aniversário da morte de Thomas Merton vamos republicar artigos selecionados para aprofundar a figura deste importante religioso estadunidense. O primeiro deles foi escrito por ocasião do centenário do seu nascimento e lembra sua vida, prematuramente interrompida em Bangkok, pouco antes de completar 53 anos, caracterizada por uma atribulação interior que foi capaz de expressar na vocação religiosa toda a sua força.
Centenário do nascimento do monge trapista Thomas Merton, grande figura do catolicismo norte-americano (Luis Badilla, il sismografo)
Thomas Merton, nascido em 31 de janeiro de 1915, Monge trapista, é uma das figuras proeminentes que chegaram ao catolicismo depois de ter professado uma religião diferente, como – para citar dois exemplos ilustres, o cardeal britânico Henry Newman (antes anglicano) ou o teólogo alemão Erik Peterson (antes evangelho). A sua sempre foi uma experiência religiosa e espiritual muito singular por intensidade e envolvimento, e isso é mais do que palpável em sua enorme produção intelectual: mais de 60 livros entre ensaios, poesia e prosa, dedicados aos direitos civis e à liberdade, ao ecumenismo, ao diálogo inter-religioso e à paz. Thomas Merton morreu em 10 de dezembro de 1968, em Bangkok, quando estava prestes a completar 53 anos.
A dor do garoto sem os pais aos 16 anos
Os pais de Thomas eram de diferentes nacionalidades e isso teve uma influência importante em sua vida: seu pai, Owen, era neozelandês e sua mãe, Ruth Jenkins, estadunidense, ambos, aliás, eram pintores. Quando ele tinha apenas um ano, os pais de Thomas, preocupados com a eclosão da Grande Guerra, se mudaram para os Estados Unidos, em Douglaston, onde moravam os seus avós maternos. Thomas tinha apenas 6 anos quando sua mãe morreu de câncer. O pai Owen emigrou novamente, primeiro para as ilhas Bermuda e, depois, em 1925, novamente para a França (Saint-Antonin). Merton, no entanto, a partir de 1926 continuou seus estudos, primeiro em Montauban (1926) e depois em Oakham (1932), no Reino Unido. Durante este período, Thomas que ainda era um garoto de 16 anos e seu irmão John Paul, 14, perderam o pai Owen atingido por um tumor cerebral (1931). Thomas pode continuar seus estudos (línguas e literatura estrangeira) no Clare College, de Cambridge, graças a uma bolsa de estudos.
O ponto de virada e a atribulação interior
Quando ele tinha 18 anos (1933) Thomas decidiu viajar a Roma para conhecer e estudar as basílicas paleocristãs que o fascinavam enormemente. Durante a visita ao Santuário das Três Fontes, Thomas Merton começou a amadurecer a ideia de se converter do anglicanismo ao catolicismo. E foi esse o ponto de partida de uma longa e atormentada jornada espiritual que após oito anos o levaria, em 10 de dezembro de 1941, a pedir o ingresso na Abadia de Nossa Senhora de Gêtsemani, no Kentucky (EUA), uma comunidade monástica pertencente à ordem dos Cistercienses da Estrita Observância (Trapistas). Esses anos não foram fáceis para Thomas Merton. Na verdade, em 1934 ele abandonou seus estudos em Cambridge já presa de uma vida desregrada, caótica e dissoluta como afirmado em todas as suas biografias e na autobiografia (“A Montanha dos Sete Patamares” Petrópolis: Vozes, 2005). Em 1938, no entanto, conseguiu obter um grau de Bacharel em Artes na Universidade de Columbia (Nova York), quando ele tinha 23 anos, e um ano mais tarde também obteve o grau de mestrado com uma tese sobre o poeta britânico William Blake, poeta, gravador e pintor (Londres 28 de novembro de 1757 – Londres, 12 de agosto de 1827). Neste período, estreitou uma relação muito intensa – enriquecida por uma grande troca de correspondência – com seu professor, o católico Dan Walsh. Walsh seria seu primeiro ponto de apoio do conturbado percurso interior de Thomas. Com ele Merton descobriu a dimensão social do Evangelho, que o fascinaria para sempre, marcando toda a sua vida. Ele ainda tinha 23 anos quando, em 16 de novembro de 1938, fez seu “ingresso” na Igreja Católica da paróquia de Nova York de Corpus Christi, no dia do seu batismo.
A vocação sacerdotal trapista
Depois de todos esses acontecimentos tão importantes e fundamentais na vida do jovem Thomas, por três anos, ganhou a vida ensinando literatura inglesa na Universidade de Columbia e depois na Saint Bonaventure University em Allegany. Thomas Merton tinha 26 anos quando, depois de um longo retiro na Abadia Trapista de Nossa Senhora do Getsêmani (Bardstown, Kentucky) pediu para ser admitido como postulante; era 10 de dezembro de 1941. Depois, chegando a uma grande paz e serenidade interior ele colocou um fim a suas atribulações – ajudado pela oração e pela solidão – Thomas dedicou-se inteiramente ao seu maior desejo: ser sacerdote. Merton fez sua primeira profissão religiosa no dia 19 de março de 1944, assumindo o nome de Louis. Três anos mais tarde, em 19 de março de 1947, proferiu os votos solenes, tornando-se monge. Após completar seus estudos teológicos, em de 26 de maio de 1949 foi ordenado sacerdote. Ele tinha 34 anos de idade.
Ainda uma dor profunda
Thomas Merton tinha apenas um irmão, John Paul (nascido em 1918) de quem, no entanto, viveu quase sempre separado mantendo, porém, o afeto e a fraternidade com uma intensa troca de correspondência.
Já adultos se encontraram poucas vezes, mas a sua relação foi tão forte que, apesar das distâncias, Thomas foi determinante para a conversão ao catolicismo também de John Paul. Enquanto Thomas vagava com o pai pintor, John Paul, que havia escolhido ficar com seus avós maternos nos Estados Unidos, após o ensino médio entrou na Academia Militar de Gettysburg (Pensilvânia), onde obteve seu diploma em 1935: ele estava com 17 anos. Enquanto frequentava a Universidade de Cornell, John Paul começou a nutrir interesse no catolicismo e nesse percurso foi fortemente apoiado pelo seu companheiro de voo, o capelão católico, padre Donald Cleary.
Posteriormente, em 1941, John Paul entrou para a Royal Canadian Air Force (RCAF). Ele tinha 23 anos e queria lutar na Europa contra Hitler, mas como norte-americano não podia porque Washington ainda não tinha formalmente entrado na Segunda Guerra Mundial. No final, com o apelido de “Mert”, John Paul consegui partir para a frente de batalha. Da Europa, em julho de 1942, programou uma viagem fundamental: foi a Jerusalém para encontrar o irmão Thomas, com quem discutiu longamente sobre seu desejo de se tornar católico. Tendo que voltar logo para a Inglaterra, John Paul, depois de uma rápida preparação, foi batizado em 26 de julho de 1942. Na Inglaterra, John Paul conheceu May Margaret Evans, uma mulher encantadora com quem se casou em fevereiro de 1943. Em 16 de abril de 1943, John Paul, voando sobre o Canal na Mancha com um bombardeiro Wellington, por razões desconhecidas abateu-se violentamente contra as ondas do mar. Apesar de gravemente ferido John Paul foi resgatado ainda com vida, mas morreu no dia seguinte, no sábado Santo, 17 de abril 1943: ele tinha apenas 25 anos. Thomas Merton soube da notícia da morte de seu amado irmão, na terça-feira depois da Páscoa. Sua angustiante despedida é o poema “For My Brother Reported Missing in Action, 1943″.
A morte de John Paul, e os horrores da guerra, logo levaram à produção intelectual de Thomas Merton ao pacifismo e à luta pelos direitos civis. Em particular, ele ofereceu todo seu apoio e empenho ao movimento não-violento pelos direitos civis, que ele definiu como “o maior exemplo de fé cristã ativa história social dos EUA.”
Durante a Guerra do Vietnã, Thomas desenvolveu um grande interesse no monaquismo budista e para conhecê-lo de perto, em 1968 empreendeu uma longa viagem para o oriente. Nessa ocasião ele conheceu o 15º Dalai Lama. Quando ele tinha 53, em Bangkok, Thomas Merton morreu eletrocutado por causa de um ventilador defeituoso.