O diálogo é servo da verdade
Por Sérgio de Souza
Neste início de Quaresma, por conta das habituais discussões em torno do textos-base da Campanha da Fraternidade (cujo tema este ano é “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”), tenho lido opiniões no mínimo interessantes sobre a questão do diálogo. Uma delas, vinda de uma pessoa que muito estimo e admiro, diz mais ou menos assim:
“O diálogo é importante, mas relativo. A Verdade é absoluta”.
Parece uma frase encerradora de debates, não é? No entanto, para mim, ela tornou-se a iniciadora de um debate interior. Revirei-me alguns dias com essa frase martelando na cabeça. Uma provocação que precisava de uma resposta, ainda que fosse para mim mesmo. É mais ou menos assim que surgem meus textos. Foi assim que nasceu esse aqui.
Ocorreu-me que, na frase de meu amigo, o diálogo pareceu-me um concorrente da verdade, como se fosse inferior à esta, porque esta seria absoluta e o diálogo, relativo. Acontece que o diálogo, foi o que pensei nesses dias de debate interior, não concorre com a Verdade, mas é um meio para levá-la aos corações, tendo em vista liberdade de cada um.
O Papa Francisco, que em seu magistério busca atualizar constantemente o Concílio Vaticano II, a exemplo de seus predecessores, prima pelo diálogo como instrumento importantíssimo de evangelização, uma vez que já não há cristandade, a Igreja já não é a principal produtora de cultura e a hegemonia católica (e nem cristã) nas sociedades há muito tempo não é uma realidade. Veja: não é que a Igreja “pregue” o multiculturalismo e a diversidade de crenças, ela está instalada em um mundo multicultural e em uma floresta das mais variadas crenças. É questão de constatação.
Daí o diálogo ser um instrumento tão importante para evangelizar e levar a verdade. A verdade que não se impõe, mas é levada como uma proposta amorosa, procurando a escuta do outro, com uma predisposição de abertura e diálogo. A Verdade é a “beleza desarmada”, que conquista mais por atração do que por argumentos, por moral ou fórmulas. Como ensina a “Dei Verbum” (uma das constituições dogmáticas do Concílio Vaticano II ao lado da “Lumen Gentium”): o cristianismo não é um conjunto de doutrinas, mas um acontecimento, fatos e palavras intimamente conectados. É o que temos a oportunidade de testemunhar quando acolhemos, escutamos e nos abrimos ao diálogo.
Portanto, não se trata de comparar o diálogo, como “valor”, à verdade. O diálogo é servo da verdade.
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Terminamos esta pequena reflexão com as sempre luminosas palavras do Papa Francisco sobre o diálogo:
“Para começar, eu não falaria — nem mesmo para aqueles que acreditam — de verdade «absoluta» dando ao termo absoluto o sentido daquilo que está desligado, que carece de qualquer relação, porque a verdade, segundo a fé cristã, é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Portanto, a verdade é uma relação! E tanto é assim, que cada um de nós capta a verdade e exprime-a a partir de si mesmo: da sua história e cultura, da situação em que vive, etc. Isto não quer dizer que a verdade seja variável e subjetiva. Longe disso! Significa, sim, que ela se nos dá sempre e só como um caminho e uma vida. Porventura não disse o próprio Jesus: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida»? Por outras palavras, sendo a verdade, em última análise, uma só coisa com o amor, requer a humildade e a abertura para ser buscada, acolhida e expressa.”
(Carta encíclica Lumen Fidei, Papa Francisco)
“Resulta claramente que a fé não é intransigente, mas cresce na convivência que respeita o outro. O crente não é arrogante; pelo contrário, a verdade torna-o humilde, sabendo que, mais do que possuirmo-la nós, é ela que nos abraça e possui. Longe de nos endurecer, a segurança da fé põe-nos a caminho e torna possível o testemunho e o diálogo com todos”.
(Carta do Santo Padre ao jornalista Eugenio Scalfari)