Blog, Trapa › 25/12/2022

HOMILIA: Natal no Mosteiro Trapista N. S. do Novo Mundo

Pe. Paulo dos Santos da Fonseca, OCSO

 

— Adão, onde estás? Adão, onde estás? Adão, onde estás?
— Ouvi tua voz no jardim. Fiquei com medo, porque estava nu, e me escondi. (Gn 3,9- 10).

Caros irmãos e irmãs, a celebração dessa noite, marca uma conversão, uma mudança de rota, uma virada de 180º do movimento iniciado nesse primórdio da humanidade. Movimento este em que o ser humano cada vez mais se distanciava de Deus, cada vez para mais longe Daquele que nos criara. Adão se afastou de Deus, se escondeu, fugiu. Iniciou-se um movimento de afastamento, de distanciamento, de separação e fragmentação entre o ser humano e Deus, entre homens, entre estes e a criação. A ruptura da relação original com Deus lança o ser humano no medo, na desconfiança, na ruptura da relação com seu semelhante. Adão foge, se esconde, se afasta, justifica- se de seu pecado acusando sua mulher, de quem antes exultara, “é ossos de meus ossos, carne de minha carne” (Gn 2,23). Ambos têm de abandonar o Jardim, seus filhos não se entendem e Caim assassina seu irmão; o distanciamento cresce, as fragmentações e rupturas aumentam, as barreiras entre os homens e entre o ser humano e Deus se agigantam.

Mas a noite de hoje marca uma conversão. Deus ainda está clamando ao ser humano “onde estás?”, “onde estás?”, “onde estás?”. Deus está a nossa procura, em busca da ovelha perdida. Ele sabia que sairíamos correndo de medo ao simples murmúrio de sua voz, que fugiríamos tomados de pavor ao mínimo sinal de sua proximidade, como fez nosso primeiro pai. Então Deus assumiu um jeito de não mais nos suscitar medo, Ele que nos criara à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), fez-se à nossa semelhança, assumiu os panos, as faixas de nossa humanidade mortal e decaída, as mesmas vestes de pele que tecera para revestir o homem e a mulher após pecarem, conforme o Gênesis diz “E o Senhor Deus fez para o homem e sua mulher roupas de pele, com as quais os vestiu” (Gn 3,21). Hoje, o Filho de Deus assume essa veste, essa roupa de pele, a nossa constituição humana mortal. O Deus que tecera roupas de pele para o homem e a mulher, agora se reveste das mesmas vestes; Maria ofertou-lhe a nossa pele, a nossa humanidade; Maria “deu à luz o seu filho, envolveu-o em faixas e deitou- o numa manjedoura” (Lc 2,7).

Quem agora poderá temer? Quem poderá ter medo de um bebê que não pode falar, que não pode se defender, que não pode usar de força? Deus despojou-se, desvestiu- se de sua glória, de sua majestade, de seu poder, e revestiu-se de nossa humanidade, fez-se homem, nasceu como qualquer mortal: frágil, pequenino, chorando. Agora, Deus não suscita mais medo, mas atrai-nos. Todos os olhos estão fixos nessa manjedoura. Todos se admiram. Os anjos admiram-se e cantam “glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra paz a todos por ele amados”. Deus fez de um estábulo, um palácio; de uma manjedoura, trono; de jumentos, bois, ovelhas — cortesãos; de simples pastores, testemunhas de sua encarnação; de nossa humanidade decaída, um templo de sua divindade. Todos querem ver, todos querem testemunhar, querem se admirar, alegrar-se. Aqui, na manjedoura, Deus não mais suscita medo, mas admiração; não mais fuga, mas atração. Deus nos atrai em nossa própria pele, na qual manifestou a graça da salvação, a sua bondade, a sua misericórdia, conforme ouvimos “A graça de Deus se manifestou trazendo a salvação para todos os homens” (Tt 2,11). Somos atraídos, somos chamados. O movimento de medo e de fuga, torna-se movimento de atração, de desejo. O Deus que nos procura, atrai-nos a si, atrai-nos a essa gruta de Belém onde manifesta a sua misericórdia em nossa própria pele, em nossa veste.

Mas a atração não termina ali, nesta gruta, neste estábulo. Jesus continuará a atrair- nos, a chamar-nos em toda a sua vida. Atraídos pelo Deus-homem, aderindo a sua vida pela fé, imitando sua humildade, seguindo seus ensinamentos, vamos parar em outra gruta, aquela em que Jesus deixa essas faixas de linho deitadas no chão e o pano que cobrira a sua cabeça (Jo 20,6); as vestes mortais que Jesus hoje assume, ele as deixa em sua ressurreição, revestindo-se novamente de sua glória e imortalidade, e nós, com Ele, também deixaremos “essas faixas de linho deitadas no chão”, essa nossa veste de pele mortal, para assumir aquela veste que nos permite entrar no Banquete do Reino (cf. Mt 22, 1-14). E isto porque, conforme diz São Paulo, “é preciso que este ser corruptível se vista de incorruptibilidade e este ser mortal de imortalidade” (1Cor 15, 53). E porque é preciso que “este ser mortal se vista de imortalidade”, é que “gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação celeste (…), a fim de que em nós seja absorvido pela vida o que é moral” (2 Cor 5, 2.4). O filho de Deus se fez filho do homem, o Verbo se encarnou, chegou o nosso Salvador — “hoje nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 1, 11) — que “transformará o nosso corpo mortal semelhante ao seu corpo glorioso pelo poder que tem de sujeitar a si todas as coisas” (cf. Fl 3, 21).

Caros irmãos e irmãs, “vós que fostes batizados em Cristo e vos revestistes de Cristo (…). Vós que sois Filhos de Deus pela fé no Cristo Jesus” (Gl 3, 26-29), Deus hoje assumiu a nossa humanidade, revestiu-se de nossa pele, para nos atrair, para se fazer perto, próximo, e assim, Nele, sermos revestidos de uma nova vida, porque “quem está em Cristo é uma nova criatura (…); eis que tudo se fez novo” (2Cor 5,17). De fato, é uma grande alegria o que os anjos têm a anunciar, e os pastores também têm a anunciar, e nós também temos a anunciar. “Não temais! Eu vos anuncio uma grande alegria que será para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 1, 10-11). Digamos, então, uns outros, como os pastores “Vamos a Belém para ver o que aconteceu, aquilo que o Senhor nos mostrou” (Lc 1,15). Corramos ao “presépio” para aderir, participar e comunicar essa a alegria, uma alegria alegria que será para todos e que cada homem e cada mulher estão à espera de ouvir. Um santo e feliz natal!

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