Homilia de Natal de Dom Bernardo Bonowitz
Natal de 2016
A proclamação do evangelho do nascimento de Jesus termina com o canto de uma multidão de anjos: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que são do seu agrado.”
Estes anjos não agem como profetas, revelando o futuro. Eles são tradutores simultâneos, traduzindo “atos” em “palavras”, e assim permitindo a nós seres humanos o início de uma compreensão daquilo que está acontecendo no nascimento de Jesus.
Pela Encarnação da Palavra de Deus, pelo nascimento do Messias, Deus é glorificado e os homens recebem dele o dom preciosíssimo da paz. O Messias dará glória a Deus introduzindo o seu Reino na terra. Nós costumamos pensar que Adão e Eva e sua descendência foram exilados do paraíso, mas isto coincide com o exílio de Deus da terra. Os seres humanos não vivem mais como súditos do Grande Rei. Eles não se interessam pela prática de justiça, pela demonstração da misericórdia, pela fidelidade à Lei – divino projeto de vida para os homens. Igualmente, não se importam em “caminhar com Deus”, em passar a sua vida em sua presença, conversando com Ele, colaborando com Ele, encontrando nele o Deus de sua vida – seu pai, seu amigo, seu “tu”. A irrelevância de Deus, a falta de interesse em cultivar comunhão com Ele e adorá-lo por meio de uma vida conforme à sua vontade: isto não surgiu no século 21. Este é o mundo desde o exílio do Paraíso, um mundo transformado num deserto, porque Deus – a seiva, o verde da vida – está ausente, e poucos sentem saudades dele. Este é o mundo do pecado: este é o destino do mundo quando Deus não está mais bem-vindo em sua própria casa, a Criação. Escutemos o início do livro do profeta Isaías: “Escutai os céus! Atenção, terra: é o Senhor que fala: ‘Filhos, fiz crescer e prosperar, mas eles se rebelaram contra mim. Abandonaram o Senhor, desprezaram o Santo de Israel, andaram para trás’.” O mundo é como uma mega cidade marcada por muita decadência, da qual temos tantos indícios hoje em dia – e tudo por causa do seu Rei ter sido posto de lado.
E, na ausência da presença de Deus como Rei, não há paz entre os homens. A paz não é uma construção entre dois seres humanos; é a comunhão em Deus entre as pessoas. Deus é o elo da paz entre indivíduos, povos e nações. A sua atividade acolhida nos corações dos homens cria o desejo da paz e o esforço da paz e leva ao sucesso da paz. Do mesmo modo, não pode haver paz dentro do coração do indivíduo quando Deus não habita neste coração. A paz interior não é uma mera condição de bem-estar afetivo e psicológico; é fruto da amizade com Deus. É a irradiação para os afetos de sua presença no centro da minha alma. Mas quando Deus está colocado à margem, esvanece a possibilidade de paz no espírito humano. “Paz! Paz!, gritam eles. E não há paz.” A paz é Deus no centro do coração humano, sustentando-o como fonte e segurança de sua vida, e inspirando-o a viver conforme os valores, os ideais verdadeiros de uma humanidade criada à imagem de Deus.
Houve muitos filmes feitos sobre o tema de Natal: o meu seria chamado. “Deus, Segunda Parte: A Volta” No nascimento de Jesus, Deus se insere sutilmente de novo na terra. Deus não vem como dominador; ele não vem com exércitos de reconquista. Este nunca foi do jeito dele. Ele vem na pessoa, na pregação, na vida humana, no sacrifício do Seu filho Jesus, para agir como um “fermento de justiça” nos corações, mentes e comportamentos dos seres humanos. Jesus agirá como Sua presença e como Seu convite a ser reconvidado. Cada vez que alguém dá ouvidos a Jesus, deixa-se ser inspirado por Jesus, segue Jesus e o imita, Deus está ganhando território, está restabelecendo seu Reino na terra. Porque a vida de Jesus é o restabelecimento do Reino de Deus. Começa com uma única pessoa, mas pretende penetrar até os confins da terra. E esta penetração chama-se: Salvação.
“Deus reina!” Assim começam muitos salmos. Até Belém, isto era apenas profecia. Agora, em Jesus, ela torna-se realidade. Em Jesus, neste único homem que vive como filho de Deus e amigo de Deus, Deus é glorificado. Os anjos percebem que, por meio de Jesus, os homens começarão a pensar melhor, agir melhor, amar melhor. Pela primeira vez em muito, muito tempo, pensarão pensamentos da paz e voltarão ao Senhor seu Deus. Esta conversão da humanidade rumo ao Deus, este desejo renovado de ter Deus como rei e viver segundo Sua santa Aliança, esta é glória a Deus nas alturas e também é a melhor, a única esperança de paz entre os homens e dentro de todo homem. Isto também os anjos captam e cantam.
“Bendito o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!” Assim falarão os homens no Domingo de Ramos. Hoje é a vez dos anjos. Bendito é o Deus que vem a nós na pessoa de Jesus. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que são do seu agrado. A vinda de Jesus e a transformação de corações e vidas que ele vai realizar é a promessa que todos nós podemos ser – somos chamados a ser – os homens do seu agrado. Nos seus dias, nos dias de Jesus, a justiça florirá e a terra será verde de novo com o conhecimento do Senhor. +
Homilia de D. Bernardo Bonowitz, abade
Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo
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