Blog › 20/02/2018

Bento XVI: Meditação para o I Domingo da Quaresma

No nosso caminho de reflexão sobre a prece de Jesus, apresentada nos Evangelhos, gostaria de meditar hoje sobre o momento, particularmente solene, da sua oração na Última Ceia.

O cenário temporal e emocional do banquete no qual Jesus se despede dos seus amigos é a iminência da sua morte, que Ele já sente próxima. Havia muito tempo que Jesus tinha começado a falar da sua paixão, procurando também empenhar cada vez mais os seus discípulos nesta perspectiva. O Evangelho segundo Marcos narra que desde o início da viagem rumo a Jerusalém, nos povoados da longínqua Cesareia de Filipe, Jesus começara «a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem padecesse muito, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, e fosse morto, mas ressuscitasse depois de três dias» (Mc 8, 31). Além disso, precisamente nos dias em que se preparava para dizer adeus aos discípulos, a vida do povo estava marcada pela aproximação da Páscoa, ou seja, do memorial da libertação de Israel do Egipto. Esta libertação, experimentada no passado e esperada de novo no presente e para o futuro, era revivida nas celebrações familiares da Páscoa. A Última Ceia insere-se neste contexto, mas com uma novidade de fundo. Jesus olha para a sua Paixão, Morte e Ressurreição, plenamente consciente delas. Ele quer viver esta Ceia com os seus discípulos, com um carácter totalmente especial e diferente dos outros banquetes; é a sua Ceia, na qual oferece Algo de totalmente novo: Ele mesmo. Deste modo, Jesus celebra a sua Páscoa, antecipa a sua Cruz e a sua Ressurreição.

Esta novidade é-nos evidenciada pela cronologia da Última Ceia no Evangelho de João, que não a descreve como a ceia pascal, precisamente porque Jesus tenciona inaugurar algo de novo, celebrar a sua Páscoa, certamente vinculada aos acontecimentos do Êxodo. E para João, Jesus morreu na Cruz precisamente no momento em que, no templo de Jerusalém, eram imolados os cordeiros pascais.

Então, qual é o núcleo desta Ceia? São os gestos da fracção do pão, da sua distribuição aos seus e da partilha do cálice do vinho, com as palavras que os acompanham e no contexto de oração em que se inserem: é a instituição da Eucaristia, é a grande oração de Jesus e da Igreja. Mas consideremos mais de perto este momento.

Antes de tudo, as tradições neotestamentárias da instituição da Eucaristia (cf. 1 Cor 11, 23-25; Lc 22, 14-20; Mc 14, 22-25; Mt 26, 26-29), indicando a oração que introduz os gestos e as palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, utilizam dois verbos paralelos e complementares. Paulo e Lucas falam de eucaristia/acção de graças: «Tomou então o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-lho» (Lc 22, 19). Marcos e Mateus, ao contrário, sublinham o aspecto de eulogia/bênção: «Tomou o pão e, depois de o benzer, partiu-o e deu-lho» (Mc 14, 22). Ambos os termos gregos eucaristein e eulogein remetem à berakha judaica, ou seja, para a grandiosa prece de acção de graças e de bênção da tradição de Israel, que inaugurava os grandes banquetes. Estas duas diferentes palavras gregas indicam as duas orientações intrínsecas e complementares desta oração. Com efeito, a berakha é antes de tudo acção de graças e louvor que se eleva a Deus pelo dom recebido: na Última Ceia de Jesus, trata-se do pão — feito com o trigo que Deus faz germinar e crescer da terra — e do vinho produzido pelo fruto amadurecido nas videiras. Esta oração de louvor e de acção de graças, que se eleva a Deus, retorna como bênção, que desce de Deus sobre o dom e o enriquece. Assim, a acção de graças e o louvor a Deus tornam-se bênção, e a oferenda doada a Deus volta para o homem abençoada pelo Todo-Poderoso. As palavras da instituição da Eucaristia inserem-se neste contexto de oração; nelas, o louvor e a bênção da berakha tornam-se bênção e transformação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Jesus.

Antes das palavras da instituição há os gestos: o da fracção do pão e o da oferta do vinho. Quem parte o pão e oferece o cálice é, antes de tudo, o chefe de família, que recebe à sua mesa os familiares, mas estes gestos são também os da hospitalidade, do acolhimento na comunhão convival do estrangeiro, que não faz parte da casa. Estes mesmos gestos, na ceia com a qual Jesus se despede dos seus, adquirem uma profundidade totalmente nova: Ele oferece um sinal visível do acolhimento à mesa em que Deus se doa. No pão e no vinho, Jesus oferece-se e comunica-se a Si mesmo.

Mas como pode realizar-se tudo isto? Como pode Jesus doar-se, naquele momento, a Si mesmo? Jesus sabe que a vida está prestes a ser-lhe tirada através do suplício da cruz, a pena capital dos homens não livres, aquela que Cícero definia a mors turpissima crucis. Com o dom do pão e do vinho, que oferece na Última Ceia, Jesus antecipa a sua morte e a sua ressurreição, realizando aquilo que já tinha dito no discurso do Bom Pastor: «Dou a minha vida, para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira; sou Eu que a dou por Mim mesmo. Tenho poder para a dar e para tornar a tomá-la; este mandamento recebi de Meu Pai» (Jo 10, 17-18). Por conseguinte, Ele oferece antecipadamente a vida que lhe será tirada, e deste modo transforma a sua morte violenta num gesto livre de doação de Si mesmo pelos outros e aos outros. A violência padecida transforma-se num sacrifício concreto, livre e redentor.

Mais uma vez na oração, começada segundo as formas rituais da tradição bíblica, Jesus mostra a sua identidade e a determinação a cumprir até ao fim a sua missão de amor total, de oferta em obediência à vontade do Pai. A profunda originalidade do dom de Si mesmo aos seus, através do memorial eucarístico, é o ápice da oração que distingue a ceia de adeus com os seus. Contemplando os gestos e as palavras de Jesus naquela noite, vemos claramente que a relação íntima e constante com o Pai é o lugar em que Ele realiza o gesto de transmitir aos seus, e a cada um de nós, o Sacramento do amor, o «Sacramentum caritatis». Por duas vezes, no cenáculo, ressoam estas palavras: «Fazei isto em memória de Mim» (1 Cor 11, 24.25). Com o dom de Si, Ele celebra a sua Páscoa, tornando-se o verdadeiro Cordeiro que leva a cumprimento todo o culto antigo. Por isso são Paulo, falando aos cristãos de Corinto, afirma: «Cristo, nossa Páscoa [o nosso Cordeiro pascal!], foi imolado! Celebremos, pois, a festa… com o fermento da pureza e da verdade» (1 Cor 5, 7-8).

O evangelista Lucas conservou um ulterior elemento precioso dos acontecimentos da Última Ceia, que nos permite ver a profundidade comovedora da oração de Jesus pelos seus naquela noite, a sua atenção por cada um. Começando a partir da oração de acção de graças e de bênção, Jesus chega ao dom eucarístico, à entrega de Si mesmo e, enquanto oferece a realidade sacramental decisiva, dirige-se a Pedro. No final da ceia, Ele diz: «Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos» (Lc 22, 31-32). Quando se aproxima a provação também para os seus discípulos, a oração de Jesus sustenta a sua debilidade, a sua dificuldade de compreender que o caminho de Deus passa através do Mistério pascal de morte e ressurreição, antecipado na oferenda do pão e do vinho. A Eucaristia é alimento dos peregrinos, que se torna força também para aqueles que se sentem cansados, prostrados e desorientados. E a oração é particularmente para Pedro a fim de que, uma vez convertido, confirme os irmãos na fé. O evangelista Lucas recorda que foi precisamente o olhar de Jesus que procurou o rosto de Pedro no momento em que ele tinha acabado de consumir a sua tríplice negação, para lhe conferir a força de retomar o caminho no seu seguimento: «E naquele mesmo instante, quando ainda falava, o galo cantou. Voltando-se, o Senhor olhou para Pedro. Então Pedro lembrou-se das palavras do Senhor» (Lc 22, 60-61).

Caros irmãos e irmãs, participando na Eucaristia, vivamos de modo extraordinário a oração que Jesus recitou, e recita continuamente, por cada um a fim de que o mal, que todos nós encontramos na vida, não prevaleça, e para que em nós aja a força transformadora da morte e da ressurreição de Cristo. Na Eucaristia, a Igreja responde ao mandato de Jesus: «Fazei isto em memória de mim» (Lc 22, 19; cf. 1 Cor 11, 24-26); repete a oração de acção de graças e de bênção e, com ela, as palavras da transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor. As nossas Eucaristias consistem em sermos atraídos para aquele momento de oração, em unir-nos sempre de novo à oração de Jesus. Desde o início, a Igreja compreendeu as palavras de consagração como parte da prece recitada juntamente com Jesus; como uma parte central do louvor cheio de gratidão, através da qual o fruto da terra e do trabalho do homem nos é novamente oferecido por Deus como Corpo e Sangue de Jesus, como autodoação do próprio Deus no amor acolhedor do Filho (cf. Jesus de Nazaré, II, pag. 146). Participando na Eucaristia, alimentando-nos da Carne e do Sangue do Filho de Deus, unamos a nossa oração à prece do Cordeiro pascal na sua noite suprema, a fim de que a nossa vida não se perca, apesar da nossa debilidade e das nossas infidelidades, mas seja transformada.

Estimados amigos, peçamos ao Senhor que, depois de nos prepararmos devidamente, também com o Sacramento da Penitência, a nossa participação na sua Eucaristia, indispensável para a vida cristã, seja sempre o ponto mais elevado de toda a nossa oração. Peçamos que, profundamente unidos na sua própria oferenda ao Pai, possamos também nós transformar as nossas cruzes em sacrifício livre e responsável de amor a Deus e aos irmãos. Obrigado!

PAPA BENTO XVI
Audiência Geral, 22 de fevereiro de 2012

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