Novas Sementes de Contemplação
(Vozes, 2017)
Eis um livro precioso para os tempos que correm: quando a vida em sociedade, desenrolando-se voltada para fora sobre um palco de imagens, transforma-se em sobrecarga que obstrui o desenvolvimento interior das pessoas. Parecer ser, cada vez mais, e a fórmula compensatória e vazia para encobrir a autentica realidade do que talvez sejamos. Somos antes de tudo um infinito mistério: e a recusa à admissão desse fato, consubstanciada nas estafantes corridas para se distrair de algum modo, e certamente a maior causa do sofrimento sem trégua que leva a humanidade a se contorcer oprimida. A riqueza, o poder, a glória, todas as conquistas externas são satisfações provisórias, e o maior bem – a paz de espírito – não se conquista senão caindo em si.
Thomas Merton, aliando sua vocação de escritor a uma intuição mística privilegiada e a dureza da formação monacal, plantou suas sementes de contemplação em termos simples que, baseados na experiência de um só homem, porém profunda e transfiguradora, são capazes de libertar-nos a todos da rotina insustentável e da tirania do ego. Reativando a força de ensinamentos milenares na solidão de Gethsemani, o mosteiro trapista no qual ingressou ainda moço, o que ele aqui nos transmite e um apelo poético, por isso mesmo sincero e verdadeiro, a plenitude do equilíbrio mental.
Se o ouvirmos com atenção, fazendo, esforço para que as sementes germinem nos interstícios da consciência e na prática, entenderemos que nossa personalidade e uma convenção como as outras, a qual não há por que se apegar. Ao examiná-la com distanciamento e bom senso, veremos que os alvos que ela persegue como valores indiscutíveis são ficções que introjetamos por mero condicionamento, e não concreções palpáveis, como os alimentos e a água, realmente indispensáveis a travessia da vida. Indefinidos e mutáveis como os desejos que os geram, tais valores simplesmente mascaram a principal evidencia, que é a de aprendermos a aceitar aquilo que nos foi destinado e constitui nossa pequena grandeza. Na via fértil da contemplação, esse é o primeiro passo para a aceitação dos demais.
Merton, que de início se dedicou as letras, tendo passado pelas universidades de Cambridge e Columbia, chegara a escrever vários romances e a estudar poetas como Blake e Hopkins antes de ir para o mosteiro. Estava então com 26 anos e pensou em desistir da carreira literária. Mas os próprios trapistas impuseram-lhe a tarefa de continuar escrevendo. Após seis anos de vida conventual e ascetismo, tornou-se autor de um best-seller ao narrar suas buscas como um louco de Deus em A montanha dos sete patamares, a autobiografia que o consagrou mundo afora.
Desde então firmou-se, nos seus numerosos livros, como um renovador ecumênico do pensamento católico, lutando contra as injustiças e as guerras, as cegueiras da política e as despudoradas ganâncias. Parte de sua monumental correspondência se endereçou a escritores de diversas tendências – Jacques Maritain a Henry Miller, de Boris Pasternak a Alceu Amoroso de Lima, de Victoria Ocampo a Lawrence Ferlinghetti – com os quais passou a discutir sem reservas os temas contemporâneos mais prementes.
Pioneiro na opção da Igreja pelos pobres, e1e o foi também noutro movimento importante, o da abertura para as tradições do Oriente, assunto sobre o qual publicou três livros: Místicos e mestres Zen, A via de Chuang Tzu e Zen e as aves de rapina. Quando morreu em Bangcoc, na Tailândia, eletrocutado em seu quarto de hotel por um ventilador com defeito, na tarde de lO de dezembro de 1968, Merton participava de um encontro de líderes espirituais do Ocidente e do Oriente. Acabara de fazer uma palestra, na manha do mesmo dia, sobre um tema de originalidade imprevista: “Marxismo e perspectivas monásticas.” A atual retomada de interesse pela obra de Merton deve-se em parte a publicação de seus diários, iniciada nos Estados Unidos em 1995, ou mais de 25 anos depois de sua morte, segundo seu expresso desejo, e completada em 1998 com o sétimo e ultimo volume da série, The other side of the mountain: the end of the journey.
Além de Novas sementes de contemplação, a Irmã Maria Emmanuel de Souza e Silva traduziu outros 20 dos 41 livros de Merton já publicados no Brasil e é sua principal tradutora em todo o mundo.
Leonardo Fróes
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