“Todos são reduzidos à mesma coisa: passar um quarto de hora com a mente vazia, deixando que as distrações te envolvam, sem facilitar ou dificultá-las, mas acima de tudo sem qualquer desejo de amar, conhecer ou encontrar Deus. Com o passar do tempo, esses quinze minutos possivelmente encontrarão cada vez menos espaço na vida, no momento em que você perceber que a contemplação é muito mais fácil e mais eficaz em uma cadeira de balanço, com um maço de cigarros e uma revista ilustrada”, assim escrevia, em 1949, o monge de quem, em 10 de dezembro próximo, celebram-se os 50 anos de morte, que aconteceu em um Mosteiro de Bangkok. Acertadamente fez a editora Emi quando recolheu alguns dos seus textos inéditos, escritos entre os anos 1940 e 50, para publicá-los com o título Il primato della contemplazione.
No artigo citado, Merton ataca a mentalidade burguesa de classe média, imbuída de materialismo e consumismo, que acaba favorecendo uma espiritualidade “pegajosa e desagradável”. Ele vê o perigo que a Igreja Católica dos Estados Unidos se identifique com esse modo de pensar, voltando à heresia do quietismo, um caminho realmente muito fácil e cômodo para chegar a Deus. A isso se opõe ao espírito de São Francisco, que “se despiu de cada fragmento de roupa que seu pai lhe dera e dirigiu-se nu para o mundo”. O verdadeiro cristão deve se despir de tudo, diz Merton, convidando a remover “o espantoso lixo que se acumulou” também em torno do santo de Assis: “Gostamos tanto de chamá-lo de Pobrezinho – ele acrescenta em tom polêmico – porque faz com que a pobreza pareça ser uma estranheza remota e pitoresca”. Em um mundo cada vez mais dominado pela mercantilização, Merton indica o caminho do misticismo como patrimônio a ser recuperado, repropondo figuras muitas vezes esquecidas, como Boaventura, João da Cruz, Teresa de Ávila, Jan von Ruysbroeck.
Outras páginas do livro são dedicadas à beleza da vida contemplativa, muito longe de ser algo estranho ou esotérico. Aquela do monge é uma vida dura voltada para a essencialidade e que tenta penetrar na obscuridade do mistério divino, sem divagações mentais. O monge, aliás, não está isolado do mundo, mas participa de suas vicissitudes com a força da oração. Merton retrata a vida no mosteiro como nada solitária e antissocial, mesmo na Trapa : um misantropo não pode ser um monge!
Também emerge, como bem ressalta Francesco Comina no prefácio, sua desconfiança inicial pelo misticismo do Oriente, que subsequentemente “será atingida por uma profunda imersão na grande alma do hinduísmo e do budismo”. A contemplação também tem a ver com poesia, dois caminhos diferentes, mas similares para chegar à beleza. E aqui ele convida os escritores católicos da mesma forma que Flannery O’Connor, para não perseguir modelos secularizados banais e medíocres, mas para se aproximar à grande tradição patrística e mística do cristianismo. Flannery, a quem Merton admirava, visava com suas palavras os leitores católicos, inimigos dos romances e prisioneiros de estereótipos, com a convicção de que a literatura existe apenas em duas formas, a sentimental e a obscena. A primeira, toda edificante, a ser cultivada, enquanto a segunda, focada nos maus hábitos, obviamente para ser rejeitada. Merton então assume precisamente a posição de Maritain, que via na arte “um análogo da experiência mística, à qual se assemelha e tenta imitar”. E assim ele explica: “A experiência estética nos permite penetrar o santuário interior da alma e sua inexprimível essencialidade, frugalidade, energia e produtividade”.
Essa é uma das muitas lições de Thomas Merton, que o Papa Francisco em sua viagem aos Estados Unidos identificou como um dos quatro ilustres norte-americanos da história, junto com Lincoln, Martin Luther King e Dorothy Day.
No inédito Il primato della contemplazione, o escritor e o monge norte-americano convida o verdadeiro cristão a “despir-se de tudo” e em tom polêmico adverte: “Gostamos de chamar São Francisco, de Pobrezinho, porque faz com que a pobreza pareça ser uma estranheza remota e pitoresca”.