Amanhã, Sexta-feira da Paixão, os líderes judeus ficarão furiosos com Pilatos por causa do texto que mandou escrever na tabuleta da cruz: “Jesus o Nazareno, Rei dos Judeus”. Pilatos, já farto das exigências insolentes dos líderes a respeito da execução de Jesus, baterá o pé e dirá: “Quod scripsi, scripsi”: O que escrevi, escrevi. Assunto encerrado.
Amanhã, o mundo inteiro derramará sua fúria sobre Jesus. Ao nascer, sua vida era uma folha em branco; o que ele fez, disse e ensinou transformou a folha branca em um texto. Todos – ou quase todos – ao lerem este texto, o consideraram blasfemo: “Ele se fez igual a Deus; ele violou o sábado; ele profanou o templo; ele fez amizade com prostitutas e pecadores; ele nos chamou de hipócritas”. Ninguém teve acesso à tabuleta colocada por ordem de Pilatos para mudá-la, e assim ficou o que ficou. O texto que era Jesus, entretanto, era mais accessível. Poderia ser rasgado, pisado, cuspido, despedaçado, borrado, aniquilado – e o foi. Jesus foi tratado como se fosse o pior texto pornográfico, como se fosse um dever cívico destruir este texto, acabar com ele.
Jesus não detinha o poder de Pilatos para insistir no seu texto – nem a arrogância de Pilatos. Era um justo, um profeta, o santo de Deus. Teimoso não era, mas era honesto até os “pingos nos is”. Ele também, silenciosamente, insistia: “Quod scripsi, scripsi”. Ele era a “testemunha da verdade”. Para isso veio ao mundo, e por isso não podia mentir. Cada palavra do texto que era a vida vivida de Jesus estava repleta de autenticidade, de integridade de amor. Você poderia tentar destruir o texto; mesmo assim, ele foi escrito. Por ter existido, era indestrutível. A verdade é o real, e o real não pode morrer. Mas o papel sobre o qual o texto foi escrito poderia ser queimado e dessacrado – como um rolo da Torá. E assim foi.
No dia seguinte, depois de tudo isso, um redator de textos passou pelo lugar onde tudo tinha acontecido. O redator ficou admirado com o tratamento que o texto tinha recebido. Sabia que se tratava de uma autobiografia; questionava-se se o texto poderia ter sido tão horrível assim. Viciado em redação, ele se sentou com os pedaços para ler o texto abandonado e fazer as devidas correções. Este redator – creio que vocês já sabem – era Deus.
Ele lia e lia e lia, durante todo o dia, até a madrugada do dia seguinte – sempre mais intrigado pelo texto e pelo trato que o texto tinha recebido. Os redatores, até hoje, conservam algumas palavras latinas em seu trabalho. Ao terminar sua leitura, o redator pronunciou uma delas, só uma: “Stet”. “Stet” significa, “Permaneça como estava”, significa, “Estava tudo certo”, significa, “Continue em vigor, tal como era.” Significa também, literalmente, “Fique de pé”. Stand up! E o texto se pôs de pé. Nós chamamos este momento “Páscoa”.
Além disso, “Stet” significa que o texto que Jesus compôs sobre a folha de sua existência humana é o texto autorizado. É o ícone, o “template”, o modelo para toda vida humana. Quando colocamos a nossa vida ao lado da de Jesus, se houver diferença, discrepância, é a nossa vida que precisa ser revisada, corrigida, editada. Aquela única palavra do Redator dá ao texto que é Jesus toda autoridade no céu e na terra. E não somente a autoridade de ser o certo. Mas também a autoridade de fazer as nossas vidas tortas se conformarem com a sua vida reta. Jesus, ao deixar-se ser tão terrivelmente deformado, recebeu o poder de reescrever cada um de nossos textos, e harmonizá-lo com o seu. Ele pode até fazer de nós “evangelhos vivos”, se aceitarmos esta ação dele com fé e amor. “Quem me lê”, podemos afirmar, “lê a Jesus.”
Senhor Jesus, pela graça de tua vida, por tua paixão e ressurreição, grava o teu texto em nossas vidas. Esta seja a nossa prece ao longo do Tríduo que se inicia: que ele, a folha despedaçada, ao ser reintegrada em sua ressurreição pessoal, comunique a cada uma de nossas vidas a integridade de sua vida, e unifique e santifique a humanidade inteira segundo a sua imagem imortal. “E eu, quando for elevado, atrairei todos a mim.” +