Blog › 02/06/2018

Homilia do Abade

Dom Bernardo Bonowitz, OCSO, para a Missa de Elevação a Priorado da Trapa feminina de Rio Negrinho/SC

« Maria, então, disse ao Anjo: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” ».

Do Evangelho da Anunciação (Lc 1, 35)

A festa que celebramos hoje chama-se festa da Anunciação, mas poderia com boa razão ser também chamada a festa de “Maria Autônoma”. Porque na conclusão  do evangelho que acabamos de ouvir, Maria nos oferece em si mesma o modelo perfeito de autonomia humana.

Nas suas últimas palavras deste evangelho, Maria consegue exprimir, vivencialmente, os três aspectos da verdadeira autonomia: a plena posse de si mesmo (auto-possessão), a inteira doação de si mesmo (auto-doação) e a perfeita disponibilidade (auto-disposição).

 

“Eis-me aqui…”

Ao ouvir o anúncio do Anjo de Deus, Maria responde: “Eis-me aqui” – em hebraico, “Hineni”. Nestas palavras, Maria recolhe toda a sua pessoa. Toda ela está contida neste “Eis me aqui”.

Este é o primeiro sinal de uma pessoa autônoma: a capacidade de possuir a si mesma, de pertencer a si mesma de modo inteiro, para poder agir coerentemente; não parcialmente, não de forma fragmentária, mas “com todo o coração, como toda a alma, com toda a força”. Uma pessoa não-autônoma não é plenamente senhora de si. Muito dela lhe foge: para as paixões, para o inconsciente, para o esquecimento. Somente uma pessoa autônoma, que chegou à posse de si mesma, é capaz de realizar um ato que a empenha e a compromete inteiramente; somente ela pode pronunciar uma palavra definitiva sobre si mesma. De fato, poucas são tais pessoas. Maria era uma delas.

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“Eis-me aqui… a serva do Senhor”

“Eis me aqui, a serva do Senhor”. Seria uma autonomia triste e frustrante pertencer a si mesma só para ser seu próprio tesouro. “Eu sou autônomo; eu sou meu”. Nem valeria a pena trabalhar duro para a aquisição da própria autonomia se este fosse o fim último do processo. Maria, ao contrário, assim que ela reúne todo o seu ser em seu Hineni, ela se doa, se doa ao seu Senhor e Criador. Pois o ser humano se unifica para doar-se, doar-se por completo. Ele se faz um para doar-se totalmente, sem reservas. Em minha liberdade, em meu auto-domínio, eu me declaro “serva do Senhor”. A pessoa autônoma é capaz de definir-se, e definir-se em função de algo, de alguém maior de si mesma, para ser um dom total.

 

“Eis-me aqui, a serva do Senhor… faça-se em mim segundo a vossa palavra”

E uma vez feita a sua entrega, o seu destino está nas mãos de outrem: “Faça-se em mim segundo a vossa palavra”. Maria não impõe nenhuma condição, nenhuma expectativa, nenhuma preferência. Imaginemos o grande apóstolo Paulo dizendo: “Paulo, servo de Jesus Cristo; mas, por favor, não me mande pregar o evangelho neste lugar, porque o clima aqui não me agrada, nem naquele outro, porque p povo de lá não me é simpático”. Isto seria um absurdo. Pois quem se faz servo renuncia a toda pretensão de dirigir o curso da própria existência. Foi isto o que ele fez, de uma vez por todas, ao declarar-se servo. Este é o grande, o primeiro e o último ato de auto-disposição.  “Daqui em diante, quem manda é o Senhor de quem eu me fiz servo. É Deus quem tem as chaves da minha vida e da minha morte”, diz Maria. “Sua santa vontade é minha única vontade”.

Hoje, nesta solenidade da Anunciação, celebramos a autonomia da comunidade de Nossa Senhora de Boa Vista. Autonomia com relação a quem? Ao Mosteiro de Nossa Senhora de Quilvo? Ora, cortar os laços com sua casa Fundadora seria a última coisa desejada pelas nossas monjas.  Autonomia com relação à abadessa de Quilvo? Sabemos perfeitamente o quanto as monjas amam Madre Mariela, Madre Lodovica e todas as demais madres. Então, que tipo de autonomia celebramos hoje? A autonomia do tipo mariano.

Hoje, nossa Ordem e a Igreja reconhecem que a comunidade de Nossa Senhora de Boa Vista tem a maturidade, a integridade e a unidade necessárias para dizer seu próprio Hineni diante do Senhor: “Eis-nos aqui. Somos uma nova comunhão, uma nova Igreja local, uma nova pessoa transpessoal. Chegamos à idade de amor, como Deus diz de Israel no livro de Ezequiel. E queremos dedicar, irrestritamente, todo este amor ao Senhor e à sua Igreja, aqui, onde o Senhor nos plantou, nas terras catarinenses. Esta é a nossa autonomia e a nossa liberdade: ser a serva do Senhor e de seguir as inspirações do seu Espírito, e de tornar-nos uma só coisa com Cristo”. Com Cristo, cuja autonomia não é diferente da autonomia de sua mãe. Nos lembramos do que ele diz já no seio de Maria? Nós o ouvimos cantar no salmo responsorial da missa deste hoje: «Eu disse: Eis que venho, Senhor. Com prazer venho fazer a vossa vontade» (Sl 39). Este é o segredo da alegria da autonomia verdadeiramente Cristã: encontrar a nossa realização, a nossa plena realização; em andar nos caminho do senhor e cumprir os seus  mandamentos. Esta é a nossa perfeita liberdade.

Dom Bernado Bonowitz, OCSO

Abade do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora do Novo Mundo
Rio Negrinho/SC, 09 de abril de 2018

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