por Sérgio de Souza
A liberdade humana, com suas escolhas e decisões, é a construtora da história. O Verbo Divino, ao encarnar-se, projeta uma luz na história, recapitulado em si, misteriosamente, todos os eventos passados e futuros. A história inteira é “julgada” mediante esta recapitulação de tudo o que existe no Verbo. Cristo é a luz que, tendo vindo ao mundo, ilumina toda a história e cada homem. Ninguém mais é obrigado a decidir sozinho, pois tem a Luz de Cristo. O discernimento espiritual do homem livre é feito à luz do Verbo. E todas os fatos e escolhas passadas são igualmente recapituladas sob esta luz, adquirindo novo sentido.
Deus não joga fora nada do que vivemos. Toda vivência e experiências passadas, dos detalhes mais dolorosos aos jubilosos, interessam ao Cristo e formam aquilo que alguém chamou de“história da salvação pessoal”,que é uma intra-história da salvação (inserida, por óbvio, na macro-história da salvação). Nada vai, como se diz por aí, para a “lata de lixo da história”. Os grandes mestres espirituais são aqueles que orientam e ajudam na identificação e na reconstrução de nossa história a partir desta recapitulação feita por Cristo. Ninguém tem o direito de dizer que o que experimentamos e vivenciamos em nossa história pessoal não vale nada. Cada conselho de avó, eventos familiares, o que aprendemos na escola, nas ruas, com os amigos, na universidade, tudo isso, recapitulado em Cristo, forma nossa história de salvação pessoal.
O que Santo Agostinho, nas suas “Confissões” e o nosso querido Thomas Merton, na “Montanha dos Sete Patamares” fizeram, com seus gênios literários e criatividade, um pouco disso: história da salvação pessoal. Um olhar para si próprio sob o olhar onisciente e amoroso de Deus. Agostinho, Thomas Merton, Santa Teresa, Santa Teresinha e outros, puxaram a fila para que também nós ousássemos escrever, em nossos cadernos, celulares, computadores ou mesmo apenas nas tintas da memória, nossa autobiografia espiritual. Já se tem dito por aí a importância de um diário ou das páginas matinais. Fazer isso é trilhar o caminho do autoconhecimento e é matéria de salvação. Nem todos estão interessados em descobrir a própria vocação ou insistem em dar sentido a todo e cada acontecimento da vida, bastando-lhes apenas viver e rezar, como dizia o famoso conselho do Padre Pio: “Reze, tenha confiança e não se preocupe”. Mas a outros Deus chamou para a aventura da vida examinada, para a complexidade do pensamento e para a observação contínua dos eventos interiores. A estes irá fazer um bem enorme a construção de uma autobiografia espiritual.
E é bem provável que os amigos de Thomas Merton sejam trilheiros deste caminho.