Blog › 30/04/2019

Dom Bernardo: 70 anos!

Abade do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora do Novo Mundo e pregador dos Retiros da Associação Thomas Merton Brasil, Dom Bernardo encanta por seu humor e erudição. Neste dia 30 de abril recordamos e agradecemos o Dom da Vida dada a este Dom de Deus! O texto que lemos a seguir é de Dom Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, que prefaciou o livro BUSCANDO VERDADEIRAMENTE A DEUS.

A oportunidade de escrever este prefácio foi duplamente gratificante para mim, tanto pela ocasião de partilhar com os leitores um pouco do que representam a pessoa e a obra do meu estimado irmão cisterciense, Dom Bernardo Bonowitz, como pela abordagem que a obra faz da tradição espiritual monástica.

Além de unidos pela vocação à vida consagrada, segundo a mesma origem histórica nascida na Abadia de Cister, na Franga do século XI, e pelo ideal da Regra de São Bento, também nos aproxima uma grande amizade de longos anos. Portanto, é com muita alegria que expresso um pouco do meu pensamento e do meu sentimento, nestas páginas introdutórias de uma obra cujo título sintetiza o caminho do ser humano na realização da finalidade essencial de sua vida: buscar a Deus. O trecho da Regra de São Bento confiando a um sábio irmão a formação dos novos que soubesse ler no interior do jovem se “ele realmente busca a Deus” é uma das máximas que mais admiro na sabedoria beneditina.

Jesus Cristo dotou sua Igreja dos dons necessários para realizar a missão que lhe conferiu de anunciar o Evangelho a todas as nações, seja através do pastoreio que a hierarquia lhe proporciona, seja através dos carismas que a enriquecem com o colorido de sua original e variada expressão. No exercício da sua função de promover e orientar o uso dos carismas, o episcopado encontra-se frequentemente em face da manifestação de grandes maravilhas que o Espírito de Deus suscita em meio ao seu povo. O dom da mística é uma delas, sinal incontestável do amor que o Criador dedica é criatura que é sua imagem e semelhança e com a qual deseja consumar uma aliança espiritual.

Posso dizer que assim se resume o meu olhar, não apenas para este livro, mas para a obra de Dom Bernardo. E um olhar de admiração diante do fascínio que o chamado de Deus exerce sobre a alma que se coloca disponível a acolhê-lo. Dom Bernardo é herdeiro fiel e criativo de uma longa tradição monástica de espiritualidade, que remonta a mais de um milênio e meio e tem produzido preciosos frutos para a Igreja.

Quando surgiu, como forma de seguir radicalmente o Senhor, o monaquismo cristão tencionava continuar, pela vivência da obediência, estabilidade e conversão dos costumes, o testemunho deixado pelas primeiras gerações de fiéis, que entregaram sua própria vida pela fé. Dentre tantas modalidades de ordens e congregações religiosas que foram se multiplicando, a Ordem Cisterciense, nas suas duas modalidades atuais, ainda guarda um forte apelo vocacional. Este se encontra enraizado nos profundos ensinamentos de tantas gerações de monges, admiravelmente aptos a responder aos anseios do homem contemporâneo, pois “buscar verdadeiramente a Deus”, sendo a meta da Vida humana, é a única escolha que pode nos saciar.

Dizer que Dom Bernardo foi agraciado pelo dom da mística é uma verdade incontestável, como comprovam suas palestras e escritos, pois “a boca fala do que está cheio o coração” (Mt 12,34). Entretanto, sinto-me à vontade para fazer tal afirmação sem cair na lisonja fácil, uma vez que se trata de livre escolha divina, certamente para a santificação da pessoa, mas sobretudo para o serviço aos irmãos.

Pode-se identificar em Dom Bernardo, sem sombra de dúvida, a prontidão para reconhecer e seguir o apelo de Deus em sua vida. Entretanto, sua história pessoal demonstra que a busca de Deus não se fez para ele num caminho linear; foi traçada ao longo de opções, que deram origem a novas realidades, como a conversão para o cristianismo e a vocação cisterciense, sua primeira experiência na Vida religiosa, permeada por uma permanência como jesuíta, e finalmente consolidada com a admissão na mesma abadia trapista onde fora batizado. Nesta sequência de etapas, Dom Bernardo adquiriu uma riqueza de experiências que contribuíram para o olhar perspicaz com o qual contempla a natureza e a vida humana, e que ele traduz em palavras nas suas conferências e escritos e, sobretudo, no exercício de sua missão como Abade.

Assim é que nosso amigo tem formado a espiritualidade de um grande rebanho, que de longe ultrapassa os claustros dos mosteiros e o estado de Vida consagrada, para atingir todos os tipos de pessoas, unidas pelo requisito comum de buscar o sentido para suas vidas, que só se encontra em Deus, revelado a nos em Jesus Cristo. Interessante que não se trata de “adaptar” a mística própria da espiritualidade monástica para atender a possíveis “exigências” de uma plateia ou público leitor, mas sim de expressar na sua forma simples, pura e direta o que é ser um monge e como viver a espiritualidade que lhe é própria. E o que temos a oportunidade de encontrar neste livro, dentro da sequência de artigos sobre “Como se faz um Monge”. E tantos são atraídos por essa autenticidade que toca os corações com a veracidade da palavra que, antes de ser expressa ou escrita, foi profundamente vivenciada.

Em um recente retiro pregado na Arquidiocese do Rio de Janeiro, o qual jé se tornou tradição de vários anos, Dom Bernardo se baseou numa sequência de cinco sermões para o Advento, de autoria do abade cisterciense do século XII, Guerrico d’Igny. Temos ali uma boa descrição do que é ser monge, na figura daquele que “consente em ‘ser deixado em suspenso’, em se encontrar a meio caminho entre o céu e a terra, incapaz por ora de estabelecer contato com os tão desejados bens do céu e todavia se recusando a encontrar qualquer repouso nos bens da terra”. Isto equivale a “ficar pendente, ser crucificado”.

Dom Bernardo prossegue seu comentário sobre os sermões, sem temer abordar a “loucura” da cruz, que Guerrico aponta como “‘uma consumação devotamente a ser desejada’… imitação de Cristo, conformação a Cristo […] A forma de morte que Jesus escolheu para si foi proposital, precisamente para nos manter constantes nesta posição, nos atraindo para si e nos apartando das coisas deste mundo”.

Embora Dom Bernardo não o explicite, com certeza aplicam-se também a ele as palavras de Guerrico d’Igny. Ao viver “em suspenso’, aguardando a bem-aventurança da qual ainda não pode usufruir e, ao mesmo tempo, desapegado dos bens da terra, o monge assume a cruz de Cristo e se reveste do seu poder, de modo que pode repetir com o Senhor: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos os homens a mim” (Jo 12.32).

Encontra-se ai o segredo da vitalidade do pensamento de Dom Bernardo. No silêncio orante do claustro, sua palavra adquire a força do testemunho; na execução amorosa da rotina diária, a vida se enche da novidade do Evangelho; na identificação com a cruz do Senhor, ele atrai todos a si.

Acredito que esta coletânea de artigos, germinados da mais pura semente de espiritualidade monástica, irá atrair muitos, sedentos de encontrar a Verdade, e confirmar tantos outros na caminhada em busca de Deus. Deus que ainda não encontramos em plenitude, mas para o qual tendemos permanentemente. E um percurso que nunca fazemos sozinhos, mas como Igreja peregrina, rumo ao encontro definitivo com Ele.

Então, para nos conduzir com segurança ao longo de tantas trilhas a serem percorridas, o Senhor nos guia por intermédio dos mestres que suscita ao longo de nossa trajetória. Mestres que não se fazem por si mesmos, mas são escolhidos para erguer bem alto a cruz e atrair todas as pessoas ao Único e verdadeiro Mestre – Jesus Cristo.


Rio de Janeiro, novembro de 2013

+Dom Orani João Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro


Dom Bernardo Bonowitz, OCSO, nasceu em Nova York em 1949, de pais judeus. É Abade do Mosteiro de Nossa Senhora do Novo Mundo em Campo do Tenente, Paraná. Converteu-se ao catolicismo aos 19 anos. Após formar-se em letras clássicas na Universidade de Columbia, ingressou na Companhia de Jesus, onde foi ordenado sacerdote e realizou seus estudos em teologia mística na Alemanha. Em 1982, mudou-se para a Ordem dos Cistercienses da Estrita Observância (Trapistas) na Abadia de São José, em Spencer, Massachusetts. Atuou como mestre de noviços de 1986 a 1996, quando foi eleito superior do mosteiro de Nossa Senhora de Novo Mundo no Brasil. Ao longo dos últimos anos tem dirigido os retiros anuais da Associação Thomas Merton Brasil.


Deixe o seu comentário





* campos obrigatórios.