Dedicação da Nossa Igreja
“Que alegria quando ouvi que me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor!’” Este é o versículo de introdução de um dos primeiros “Cânticos das Subidas” ou “Salmos Graduais”, os salmos de 119 a 133. Segundo a tradição, os judeus piedosos cantavam estes salmos ao realizar sua peregrinação para o Templo em Jerusalém, na época das grandes festas. Este salmo em particular exprime o júbilo do povo ao iniciar a peregrinação, júbilo que teve início desde o momento de receber o anúncio sobre o dia da saída da própria casa rumo à casa do Senhor. Nestes últimos anos vim a entender muito mais profunda e intimamente este clima de exultação ao ver e estar com os peregrinos de Aparecida. Eles realmente se exultam todo ao longo de sua romaria, eles têm aquele nome tocante para a Basílica, muito mais significativo do que “Basílica”: “a casa da Mãe”.
Digo “eles”, mas de fato me incluo em seu número. Uma das grandes mudanças interiores em mim no decorrer destes anos é a de ter sido contagiado pelo amor a Aparecida. Já gostei do santuário na ocasião das minhas primeiras visitas. Mas nos últimos anos, é realmente uma delícia e um gozo saber que a gente irá para Aparecida, e adorar a Deus na casa da Mãe. Voltando de Guaratinguetá no mês passado e subindo no ônibus bem tarde eu me disse, “Não vou dormir até poder dar aquela olhada final para a basílica, toda iluminada à noite. Depois dormirei.” O que diz num outro dos salmos graduais? “Não deixarei adormecerem os meus olhos, nem cochilarem, em descanso, minhas pálpebras.” Uma linguagem muito poética, mas foi isto mesmo que fiz. As minhas pálpebras permaneceram bem abertas.
Os judeus piedosos realizavam a peregrinação três vezes por ano, na época das três maiores festas. O povo brasileiro faz a peregrinação quando pode, e na medida do possível, em torno da festa da Padroeira. Nós monges fazemos a peregrinação sete vezes por dia – na hora das Vigílias, Laudes, Tércia, Sexta, Noa, Vésperas e Completas. Sete vezes por dia nós vamos à casa do Senhor. Com que intenção? O salmo nos diga: “Para louvar, segundo a lei de Israel, o nome do Senhor.”
Nada nos impede – ao contrário, tudo nos impele – a fazer esta peregrinação septiecotidiana com as mesmas disposições que os nossos ancestrais semitas, e nossos ancestrais monásticos. Cada uma das Horas Ofício Divino é anunciada festivamente, com o badalar do sino da torre da igreja – que deve ser forte e alegre (Uma vez nosso Irmão Bento o fez com tanta alegria e força, que derrubou o sino da torre!). Cada uma das Horas do Ofício Divino é preparada pela chegada dos monges que ficam ajoelhados ou em pé, preparando seus corações para cantar os louvores do Senhor. Cada hora do Ofício é iniciada por um toque solene do martelinho e o sinal solene da Cruz. As horas maiores são acompanhadas com a voz do órgão. Nos dias festivos, flores adornam o altar. Cada momento ativo do Ofício – salmo, hino, leitura – é seguido por um momento de silêncio, de recolhimento, para deixar a alma sentir e ouvir o que seu Senhor quer dizer-lhe: “Quero ouvir o que o Senhor irá falar.” Porque esta ansiedade para ouvir o Senhor falar? É por causa do conteúdo de sua mensagem: “É a paz que Ele vai anunciar”. A paz interior, a paz comunitária, a paz realizada em nosso favor pela morte e ressurreição de Jesus Cristo, a paz da vida eterna, já perceptível para aqueles que têm ouvidos. “Quem tem ouvidos, ouça!” “A paz para o seu povo e seus amigos, para os que voltam ao Senhor seu coração.”
Todo dia de sua vida, o monge é um peregrino; sete vezes por dia, ele sai de sua cela e sobe para a casa do Senhor. Sobe de suas preocupações, sobe do peso de seus trabalhos, sobe de suas distrações, sobe de uma existência meramente terrena- sobe de tudo isso para ir à casa do Senhor, para a Jerusalém do mosteiro, para a igreja monástica, símbolo e sacramento da Jerusalém celeste. Cada peregrinação pode realizar-se numa interioridade silenciosa e jubilosa. Nenhum peregrino jamais pensou que ir para Jerusalém era um fardo. Ao contrário- era, literalmente, um “alívio”, tornava a alma leve.
Confessamos todo dia os pecados cometidos “por omissão”. Quem sabe se o mais bobo é o de não aproveitar do rio de bênçãos que o Senhor derrama sobre nós diariamente, aqui nesta casa de oração. Casa de oração para todos os povos- brasileiro, argentino, angolano, norte-americano. Três continentes de peregrinos diárias, com um único destino: chegar à casa do Senhor, e ver a Deus. Por este é o sumo desejo, a angústia alegre,do peregrino: “Quando terei a alegria de ver a face de Deus?” O salmista não está pensando na eternidade, num encontro após a morte. Qual é o título dado a este salmo em nosso saltério: “Desejo de Deus e de seu Templo.”
Deus nos conceda como brinde deste dia a graça de ver, “Quão amável, ó Senhor, é vossa casa.” Ele deseja nada menos para nós do que a experiência dos peregrinos antigos: “Meu coração e minha carne rejubilam e exultam de alegria no Deus vivo.”
A vida monástica tem seus momentos desafiadores, mas a vivência nesta casa sagrada deve ser- pode ser- uma alegria só. “Comemorando o dia em que enchestes de glória e santidade a vossa casa, pedimos, ó Deus, que façais de nós oferendas que sempre vos agradam” (Oração sobre as Oferendas, Missal Romano) – e que nos enchais, a cada um de nós e a nós todos, de glória e de santidade também, e da alegria do peregrino sempre aproximando-se do lugar de seu repouso.
Homilia de D. Bernardo Bonowitz, abade
Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo
21 de fevereiro de 2016
Bendito sejam todos que estejam a procura de Deus.