Detalhe de mosaico da Basílica de Hagia Sophia, em Istambul (Turquia)
Marcus Mareano
Convencer-se de que Deus nos ama não é uma dedução lógica nem uma descoberta científica, mas uma acolhida, por ação do Espírito Santo, do dom que é a vida de Jesus. Nossas buscas existenciais encontram nEle uma resposta satisfatória.
No evangelho de João lemos: “De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (3,16). A maneira de Deus nos amar pode ser percebida na história da humanidade, na sua relação com o ser humano, escolhendo um povo para fazer uma aliança, dando sua Lei e enviando profetas para nortear o povo. Entretanto, ele quis ser humano, assumiu nossa carne e viveu nossa vida amando até as últimas consequências, ensinando-nos que somos capazes de amar.
A paixão e morte de Jesus Cristo é o ápice de sua vida terrena, assim como ele viveu, também morreu. Isto é, sua existência foi total doação de si mesmo por amor a Deus e ao ser humano e o Gólgota não constitui algo dissociado de sua vida, mas representa um coroamento daquilo que fora seus anos de anúncio do Reino de Deus, revelando Deus e o ser humano. Ao contemplarmos o crucificado, vemos além de uma pessoa derrotada, vemos a mais paradoxal prova de que Deus nos ama, “pelo fato de Cristo ter morrido por nós, quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,8).
Essa compreensão e acolhida do mistério da vida de Jesus só é possível por ação do Espírito Santo, que foi derramado em nossos corações (cf. Rm 5,5). O Espírito Santo habita em nosso interior nos fazendo filhos de Deus pela Cruz de Cristo, por isso o chamamos de Pai (Rm 8,15; Gl 4,6) e proclamamos Jesus como Senhor (1Cor 12,3). O dom que o ressuscitado dá aos seus discípulos (cf. Jo 21,22-23), para que experimentem e testemunhem sua ressurreição, nos é dado para que também testemunhemos o irresistível amor com que Deus nos ama. Isso é a autorrealização humana, compreende-se em Cristo, plenamente humano e divino, que nos revela a completude de ser humano itinerante para o divino.
Deus, porque ama o ser humano, também deseja encontrá-lo e realizá-lo em seu amor. Por esse motivo, inúmeros na história da humanidade testemunham o autêntico valor de viver, que é a aventura de sentir-se amado por Deus, para amá-lo em todas as pessoas.
Na sua busca por felicidade, o ser humano encontra no mistério de Cristo a resposta para a sua grande interrogação existencial. Thomas Merton narra como aconteceu um encontro pessoal dele com Cristo em uma igreja em Havana, por ocasião de uma peregrinação. Em um momento na missa, quando ele rezava ajoelhado, ele diz:
Algo ecoou dentro de mim como um trovão e, sem ver nada nem perceber nada de extraordinário por intermédio de qualquer dos meus sentidos (...), Deus estava ao mesmo tempo em toda sua essência, em todo seu poder, Deus na carne e Deus em si mesmo e Deus cercado pelas faces radiantes dos milhares de milhões de incontáveis santos contemplando a sua glória e louvando o seu santo nome. (Diário, 29 de abril de 1940)
Tal experiência transformou sua vida. Merton conta que o momento, embora tenha demorado apenas alguns instantes, “deixou uma alegria capaz de conter a respiração, uma paz e uma felicidade puras que duraram horas e foi algo que jamais esqueci”. A partir disso, podemos recordar tantas pessoas na história da humanidade com relatos transformadores semelhantes e pensamos nos nossos episódios, o quanto somos diferentes a partir de um encontro forte com Cristo.
Assim, quem tem a coragem de olhar com seriedade a própria história de vida, constata o quanto os fatos passados (bons ou ruins), as experiências vividas e o instante presente corroboram para afirmar, pessoalmente, que Deus me ama. Não por causa de virtudes possuídas nem por qualidades pessoais, mas porque o ser humano possui uma predileção dele. Sem merecer, Deus nos ama e nos busca com um amor infinito.
Que sejamos como aqueles primeiros discípulos, como Merton ou como quem admiramos na fé, essas testemunhas ouviram o convite de Jesus: “Vinde e vede” (Jo 1,39). Vamos, vejamos e permaneçamos com ele a nossa vida, pois só nele encontramos sentido.
Pe. Marcus Mareano é sacerdote da Arquidiocese de Belo Horizonte (Paróquia de São João Bosco) e professor da PUC-MG. Doutor em Teologia, tem contribuído com ATM com conteúdos de rico traço espiritual.