Corpus Christi | Dom Bernardo Bonowitz
“E eu, quando for elevado, atrairei tudo a mim” (Jo 12,32). Hoje, no fim da missa, colocarei a hóstia no ostensório e todos nós a acompanharemos em procissão em volta de nossos claustros. “Ostensório” significa “instrumento de manifestação”, de “exposição”. Jesus eucarístico será manifestado a nós, e de uma maneira misteriosa veremos a sua glória. Mas com igual justiça podemos chamar aquele recipiente de “elevador”, porque dentro dele se encontra Aquele que atrai e eleva tudo para si.
De fato, a procissão é muito mais do que uma oportunidade de venerar o Senhor que em seu amor e humildade vem habitar em nosso meio e também em cada um de nós através da santa comunhão. Sem dúvida, isto em si já é uma bênção muito grande. Acho que todos nós experimentamos como privilégio a oportunidade de participar desta cerimônia. Mas tenho certeza de que o Senhor não está em repouso ao longo deste rito. Ao contrário, enquanto Ele passa, onde quer que Ele passe, elevado nas mãos do sacerdote, vai elevando todas as coisas sobre as quais repouse o seu olhar. Neste “passeio”, Jesus contempla a sua criação – não somente nós, monges, e nossos visitantes, mas as flores, os pássaros, as árvores, todo o nosso ambiente. E a sua contemplação não deixa os seus objetos inalterados. Onde quer que Jesus olhe, Ele chama o que vê para subir até o seu próprio nível. O olhar d’Ele atualiza o potencial secreto das criaturas, possibilita a realização do seu eterno destino. Tudo aquilo que foi criado foi predestinado a entrar na nova criação, a tornar-se nova criatura.
Não é só no dia de Corpus Christi que o Senhor faz isso. Não, esta elevação é a realização da primeira intenção de Deus na criação; é a extensão do mistério da encarnação; é a participação dos inúmeros seres na alegria e na vitória da ressurreição. Aquela solene proclamação: “E eu, quando for elevado, atrairei tudo a mim”, não é uma afirmação marginal perdida no meio do Evangelho. É uma declaração formal do sentido supremo de sua missão – elevar todas as coisas até e além de sua plenitude, a fim de que Deus possa ser tudo em todas, e todas possam viver e florescer eternamente n’Ele.
O toque especial de hoje é que esta passagem se vive visivelmente. A procissão de Corpus Christi é uma elevadora encenação artística do plano de Deus. E falando de arte, é muito importante darmo-nos conta de que estes belíssimos tapetes de serragem e flores montados no piso do claustro, representando diversos aspectos da criação e da redenção, não serão pisados por nós como sinal de desprezo – “Em comparação com Jesus na eucaristia, vocês não valem nada” – mas eles também serão elevados pela passagem de Jesus, e pela nossa. Porque a elevação da criação é também tarefa dos cristãos – a santificação dela é inseparável da nossa.
Ainda não falamos claramente do herói desta celebração. Quem é? É um pequeno círculo de pão, é a hóstia dentro do ostensório. Seu pai era trigo, sua mãe, água; seu padrinho, um padeiro; sua madrinha, o nosso sacristão. Nasceu como criatura e a sua suprema ambição era ser consumido, satisfazer o apetite de alguém, quem sabe de um menino ou uma menina inocente, de um homem bom, de uma velhinha gentil. Mas pela vontade do Pai, o poder do Espírito, as palavras de Cristo, a colaboração do sacerdote, a fé da Igreja, este círculo se tornou o centro. De que? De tudo. O centro absoluto, o polo magnético. Mas ele não foi feito para ficar só, numa majestade isolada. Não, ele é o primogênito entre muitos irmãos e irmãs.
O que quero dizer com isto é que o próprio Cristo, que passará no meio de nós na procissão, olhando com amor para as obras de suas mãos e chamando tudo para estar com Ele na glória, é Ele mesmo criatura divinizada. O Senhor em procissão é pão sacramentado, pão consagrado – consagrado no sentido mais forte do termo. E é este pão cristificado que atrairá tudo para si. Aquele pequeno círculo, aquela hóstia, é o penhor e a revelação de nosso futuro. Escutemos o que Ele fala: “O que eu era, vocês ainda são; o que eu sou, vocês um dia serão”. Mas Ele é mais do que exemplo; Ele é causa. Pela misericórdia de Deus, o pão vivo é também o pão vivificante. “Se alguém comer deste pão, viverá eternamente” (Jo 6,54).
Corpus Christi sempre foi uma festa marcada pela beleza. Flores, tapetes, incenso, procissão, canto. Tudo quer participar da festa de Corpus Christi. É o Domingo de Ramos das criaturas. Assim como os católicos vão à missa no Domingo de Ramos mesmo que faltem nos outros domingos, assim as criaturas em sua beleza vêm em massa para a festa de Corpus Christi. Elas sabem que são chamadas a serem iguais ao irmão pão. E nós também somos chamados.
Dom Bernardo Bonowitz, OCSO Sermões de um Trapista Brasileiro pág.101-104