“Toda a matéria passou a ser encarnada doravante, meu Deus, por meio da Vossa Encarnação”(Teilhard de Chardin)
Nosso vivo interesse por todas as coisas vêm da encarnação do Verbo. Depois que Verbo se encarnou, tudo o que é humano é de nosso interesse, pois o homem está no topo da criação; o homem “é a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma” (Gaudium et Spes, 24). Tudo converge para o homem; no homem, tudo converge para Deus. Cristo é o homem (“Ecce homo”), o sacerdote da criação, que remete tudo para Deus. Em Cristo, pelo batismo, somos sacerdotes da criação.
Nós, cristãos, somos interessados em literatura, música, arte, tradições religiosas, política, educação, sociologia, ecologia, filosofia… Temos uma forma própria de ver o mundo, perpassada por uma luminosidade que lhe empresta uma cor sacramental, carregada da presença de Deus. Inclinamos os nossos ouvidos para uma totalidade escondida, na qual a multiplicidade de vozes do mundo convergem numa sinfonia silenciosa de louvor e adoração a Deus.
Ao mesmo tempo, não criamos um gueto de literatura cristã, música gospel ou sociologia católica. Isso seria um contrassenso. Não pertencemos ao mundo, mas é nosso chamado estar no mundo e amá-lo apaixonadamente. Isolar-se numa realidade paralela onde tudo é cristão e “puro” não é consagrar o mundo por nosso testemunho e presença, é abandoná-lo à sua própria sorte. É com nosso testemunho e presença, com a excelência do nosso serviço e produção artística, na pesquisa científica ou na especulação filosófica no meio do mundo que “falamos” de Jesus para cada homem. O testemunho do trabalho bem-acabado, do serviço feito com zelo e da arte tomada como sacerdócio é a principal via da nova evangelização. Se não evangelizamos assim, nossas palavras serão ocas e nosso apostolado mera propaganda. Já devo ter escrito isso por aqui, mas o nosso apostolado não é outro que a nossa própria vida.
Ademais, tudo fala de Deus, ainda que não fale diretamente de Deus. O pássaro que canta, as flores que enfeitam as manhãs, a música de Stevie Wonder, tão bonita, que me eleva mais do que a música dita gospel, e que talvez não tenha sido escrita com o objetivo específico de glorificar a Deus, é, ainda assim, um louvor ao Criador. Toda beleza louva. Toda beleza faz brilhar a Beleza atrás de si. E o homem consciente de seu chamado, sacerdote da criação, na catolicidade (universalidade, que compreende a multiculturalidade) de tudo o que existe, oferece o que é bom, belo e verdadeiro, em um canto de louvor, na patena da criação (os católicos na patena de cada domingo).
Assim se expressou o hoje Papa Emérito Bento XVI, citando a visão de Teilhard de Chardin: “No final teremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o cosmos se torne hóstia viva.” (Celebração das Vésperas na Catedral de Aosta, 24 de julho de 2009)
O canto da criação, recapitulado pelo Verbo, é oferecido a Deus por este mesmo Verbo. Tudo pode ser oferecido!